Quem passa na esquina entre a Rua Presidente Faria e a Praça Dezenove de Dezembro, bem no Centro de Curitiba, talvez não perceba ali o edifício do centenário Colégio Estadual Tiradentes. Fundado em 1892, não no endereço atual, mas na antiga Rua Serrito, hoje a atual Rua Presidente Carlos Cavalcanti, o colégio foi transferido para ficar estrategicamente numa das esquinas mais movimentadas da antiga Curitiba, para que pudesse ser destaque e visto por todos. No entanto, hoje parte da sua história se esvai, principalmente pela mudança de fachada e de nome.
Os muros altos grafitados em homenagem a Potty Lazarotto fazem menção ao novo nome da instituição, que recebeu o nome do artista paranaense. Não só o muro, como também o antigo nome do Colégio Tiradentes, que ficava em destaque no edifício desenhado pelo arquiteto Rubens Meister, foi retirado e substituído por CEEBJA – CEAD Potty Lazarotto.
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Centenário, o Colégio Tiradentes recebeu como diretora em 1894 a educadora Júlia Wanderley – a primeira mulher a ser nomeada para exercer o magistério no Paraná. Uma cópia do busto em bronze feito pelo artista João Turin em homenagem à professora encontra-se Praça Santos Andrade.
Com tamanha importância histórica, as alterações logo causaram revolta em quem estudou e trabalhou num dos tradicionais colégios de Curitiba. Afinal, trata-se de um patrimônio tombado pela Secretaria de Cultura do Paraná, e como tal, deve permanecer sendo preservado, não só para a capital como também para o Estado.
Fachada da Escola Tiradentes em 1978. Foto: acervo Seed.
Diretora auxiliar de 1981 a 2012 no Tiradentes, Gilda Maria Mercer Dotti lembra dos tempos em que faltavam vagas, pois a instituição era frequentemente procurada pelo reconhecido alto padrão de ensino. “Sempre ultrapassávamos o número de alunos por turma. Eles vinham de longe, com o sacrifício dos pais, porque era uma escola de qualidade. Nós professores, éramos como uma família”, recorda.
Gilda lembra com carinho dos anos em que era responsável pela organização do colégio, pela merenda, limpeza. “Sempre que eu entrava na escola, encontrava os alunos enfileirados, entrávamos todos para a sala de aula. Foi uma época muito boa, eu era sempre ativa, não parava”.
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Assim como Gilda, a ex-secretária Esther Henrique Sneider, que trabalhou no colégio de 1983 a 2006, lembra do entrosamento entre professores e funcionários. “Havia uma cooperação, as pessoas que faziam a escola, era algo que vinha de todos. Então a escola conseguiu se destacar porque ela funcionava muito bem, e isso é muito mais importante que qualquer estrutura”, ressalta Esther.
Agora, com a transferência dos poucos alunos para o Colégio Estadual do Paraná, Esther se diz triste com a atual situação. “É um colégio muito antigo, com toda uma história, centenário. Deveria se preservar essa história pois quem participou de tudo fica muito triste. Hoje eu passo em frente e não vejo mais vida ali”.
Patrimônio histórico tombado
O Colégio Estadual Tiradentes passou a ser considerado patrimônio paranaense em maio de 2012, quando foi tombado junto com uma relação de construções do Centro Cívico, consideradas importantes para a história do Paraná. São eles: Palácio Iguaçu, Praça Dezenove de Dezembro, Prefeitura Municipal, Casa da Criança, Tribuna do Júri, Palácio da Justiça, Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas, Edifício Castelo Branco (anexo Museu Oscar Niemeyer) e toda a extensão da Avenida Cândido de Abreu (sem incluir as construções em seu entorno).
O Grupo Escolar Tiradentes faz parte da relação de patrimônios porque tem sólida importância histórica. Inaugurado em sem endereço atual em 1895, como comemoração a Inconfidência Mineira, a instituição recebeu como primeira diretora a professora Julia Wanderlei, que foi a primeira mulher a ocupar esse cargo no Paraná.
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Segundo consta na documentação das normas para uso e ocupação da área tombada do Centro Cívico, o Grupo Escolar Tiradentes possui grau de exigência de proteção 1, que inclui bens tombados individualmente ou em processo de tombamento individual, bem como os marcos relevantes da paisagem. De acordo com o texto, estes bens “deverão ser mantidos integralmente com os aspectos originais de sua concepção; admitindo-se, excepcionalmente, algumas modificações internas”.
Chefe da coordenação de Patrimônio Cultural do Estado do Paraná, Vinício Bruni, revela que o colégio está tombado de acordo com as normas de uso e ocupação do Centro Cívico. “O tombamento teve alcance limitado ao aspecto arquitetônico. Como houve apenas uma alteração no letreiro, no caso de letreiro é muito difícil. Quando vai mudar, quando o letreiro muda de tamanho, isso sim é o que a gente observa”, explicou Bruni.
Fotos: arquivo pessoal / Gilda Maria Mercer Dotti.
Fim de uma história?
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação (Seed) explicou porque o Colégio Estadual Tiradentes deixou de existir. De acordo com a Seed, a instituição teve uma redução de alunos ao longo dos anos, que migraram para diversas escolas. “No fim do ano passado, contava com apenas 102 alunos, menos da metade que em 2018, por exemplo. As turmas remanescentes foram transferidas para o Colégio Estadual do Paraná, distante 400 metros”.
A respeito da mudança do CEEBJA Potty Lazzarotto para o edifício do Tiradentes, a secretaria disse que a proposta fez parte de um remanejamento de turmas, para ofertar melhor infraestrutura aos estudantes. “A instituição de Educação de Jovens e Adultos (EJA) ficava em um prédio locado e sem acessibilidade na rua São Francisco, no Centro, do qual o MP-PR solicitava diversas melhorias. Existia um custo mensal de R$ 28 mil, mais R$ 3 mil de condomínio”.
Sobre a pintura do nome Potty na fachada do imóvel para a rua Riachuelo, a secretaria disse em nota que entende que não houve aparente ilegalidade, uma vez foram mantidos integralmente os aspectos originais do local, inclusive o letreiro de metal com o nome do Colégio Tiradentes na rua Presidente Faria.
Contudo, a secretaria reconhece que houve uma falha no procedimento de comunicar a alteração do edifício para a coordenação de patrimônio. Por isso, a Seed revelou que está regularizando a situação junto a Coordenadoria do Patrimônio Cultural do Governo do Estado.