O uso de câmeras corporais pelas forças de segurança no Brasil está longe de ser um consenso. A adoção dos equipamentos encontra amparo em estudos como o feito pela Fundação Getúlio Vargas, com dados da Polícia Militar de São Paulo, que relaciona a redução pela metade nas mortes decorrentes de intervenção policial ao uso das câmeras, além do apelo de parte da sociedade. Por outro lado, pesquisadores da Universidade de Stanford perceberam que o uso do equipamento pela PM do Rio de Janeiro produziu um efeito de “despoliciamento”, desencorajando os agentes de segurança a se envolverem em atividades como abordagens e atendimento a chamados. Você concorda com as câmeras nas fardas de policiais? Vote na enquete logo abaixo.

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O tema foi até mesmo alvo de uma promessa generosa por parte do então futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, quando ainda em dezembro de 2022, antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já afirmava que pretendia mudar os critérios de distribuição do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) aos estados, dando prioridade aos governos que incentivassem o desarmamento da população e instalassem câmeras nos uniformes dos policiais. Mas isso não foi suficiente para que alguns estados mudassem o entendimento imediato sobre a adoção dos equipamentos.

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É o caso do Paraná, onde o governo estadual está, desde abril do ano passado, estudando a aquisição de 500 câmeras corporais para serem acopladas às fardas dos policiais militares. Questionada por diversas vezes em 2022 pela reportagem sobre a compra das câmeras, a Polícia Militar do Paraná (PMPR) se limitou a dizer, por meio de notas, que os estudos “seguiam em andamento”. Sobre a promessa do ministro Flávio Dino, a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Paraná (Sesp) respondeu, em breve nota, que não iria se manifestar sobre o assunto.

Anúncio de estudo sobre uso de câmeras pela PM foi reação do Paraná

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O anúncio do estudo sobre a compra das câmeras corporais foi a reação do governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) a uma carta redigida por representantes da Defensoria Pública, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça, da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que pediram, em abril de 2022, a imediata adoção do sistema de câmeras. Naquele mês, o Paraná disse estar avaliando a compra de 500 câmeras.

De acordo com as instituições, a carta é fruto de um trabalho conjunto de análise de casos de mortes causadas durante intervenção policial. Elas apontam que, em 2021, foram 406 mortes causadas por policiais militares durante o trabalho no Paraná, o que significa um aumento de 69% se comparado com 2015. No ano passado, somente no primeiro trimestre, já haviam sido feitos 123 registros, o que representava, em média, uma morte por dia durante intervenção policial.

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A aquisição dos equipamentos foi reforçada pelo governador Ratinho Junior durante a campanha eleitoral de 2022. No fim de dezembro, durante vistoria na Operação Verão, realizada no litoral paranaense, o secretário estadual de Segurança Pública, Hudson Teixeira, concedeu entrevista a jornalistas e confirmou que o governo estaria com orçamento confirmado para a aquisição de câmeras corporais a serem utilizadas pelos policiais militares, ainda em 2023.

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Comandante-geral da PM do Paraná disse que não teve tempo de ver o estudo

A reportagem também ouviu o novo comandante-geral da Polícia Militar do Paraná, coronel Sérgio Almir Teixeira, sobre a possibilidade de uso das câmeras corporais pela corporação. O comandante disse que por ter assumido o posto há pouco tempo – ele foi empossado no último dia 9 de janeiro – ainda não teve acesso a mais informações sobre o estudo. Mas apontou que a presença do antecessor dele no cargo, o coronel Hudson Teixeira, como titular da Sesp, pode agilizar o processo.

“Nós vamos verificar o que foi estudado, o que foi constatado para ter a certeza se existe ou não a necessidade de uso desse equipamento. Uma vez que o próprio secretário de Segurança estava no comando-geral da PM, vamos poder debater aquilo que for melhor para os nossos policiais e também para os cidadãos”, respondeu.

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Questionado mais diretamente se a PM do Paraná poderá fechar o ano de 2023 com as câmeras corporais já em uso, Teixeira disse apenas que não tem como estabelecer prazos uma vez que não teve tempo para analisar o estudo. “Nós dependemos de um alinhamento dos governos federal e estadual, e temos certeza de que isso já está ocorrendo. Esse investimento poderá ser feito, e se for será muito bem empregado. Na verdade, eu não posso colocar um prazo uma vez que eu ainda não tive tempo suficiente para analisar o que foi estudado. Mas todo alinhamento que o estado tiver com o governo federal e a sua polícia, a nossa polícia estará adotando e fazendo o mesmo, em um mesmo coro com o governo do estado e o governo federal”, concluiu.

Foto: Reprodução SSP SP.

Confira como está o uso de câmeras corporais pelas polícias militares em outros estados do Brasil:

São Paulo

Em São Paulo, o então candidato a governador Tarcísio de Freitas (PL) defendeu durante a campanha, nas eleições 2022, que os policiais militares de grupos especiais, como a Rota, não deveriam usar câmeras nos uniformes. Segundo Tarcísio, o uso do equipamento seria incompatível com a natureza da função.

Na primeira semana de mandato, o assunto voltou à tona quando o governador precisou rebater declarações de seu recém-empossado secretário da Segurança, capitão Guilherme Murano Derrite (PL). Em entrevista a uma rádio de Sorocaba no dia 4 de janeiro, o secretário afirmou que iria “rever o programa” de uso de câmeras se chegasse à conclusão de que “um ou outro aspecto está atrapalhando”.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDUH) emitiu, no dia 5 de janeiro, uma nota na qual disse “receber com preocupação” a declaração do secretário. Ato contínuo, o governador paulista garantiu, após uma reunião com secretários estaduais e municipais, que nada seria alterado no programa Olho Vivo e no uso das câmeras pelos policiais.

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Foto: Reprodução SSP SP.

Rio de Janeiro

No fim de dezembro de 2022, o ministro do STF Edson Fachin deu um prazo para que o governo do Rio de Janeiro apresentasse um cronograma para a instalação de câmeras nos uniformes e viaturas de batalhões especiais de polícia e nas áreas de batalhões com os maiores índices de mortes com envolvimento de agentes de segurança. Em resposta, as polícias Militar e Civil do Rio de Janeiro se posicionaram contra a instalação de equipamentos de gravação de áudio e vídeo nas fardas e viaturas de suas forças especiais: o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) e a Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (Core).

Nos documentos enviados ao Supremo, as polícias fluminenses destacam fatores diversos que podem comprometer o êxito das operações, bem como colocar em risco a vida dos próprios agentes, que com frequência são deslocados para enfrentamentos de alta complexidade com criminosos armados com arsenais de guerra.

Um dos pontos críticos mencionados nos relatórios é o risco de vazamento do conteúdo gravado, que pode vir a expor métodos e estratégias de atuação das forças especiais, bem como a identidade de seus integrantes. Em um dos pareceres é citado que, recentemente, grande parte das câmeras corporais utilizadas por departamentos de polícia norte-americanos estavam infectadas por vírus que permitiam o acesso indevido às imagens capturadas.

Ao tomar posse em janeiro, o governador reeleito do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), disse que iria recorrer “até o fim” contra a colocação de câmeras nas fardas das forças especiais do estado. Em outras ocasiões, Castro já havia mencionado riscos à segurança pública decorrentes de uma política irrestrita do uso dos equipamentos. Até o início do mês, 8.945 câmeras tinham sido implantadas nos uniformes de policiais fluminenses segundo o governo do estado, todas em batalhões convencionais da Polícia Militar.

Santa Catarina

Em Santa Catarina, o uso das câmeras corporais pelos policiais militares é uma realidade desde 2019. Dois anos depois da adoção do sistema, um grupo de pesquisadores da PUC-Rio, das universidades de Warwick e Queen Mary e da London School of Economics – as três últimas do Reino Unido – identificou uma queda significativa no uso da força por parte dos agentes durante as abordagens.

De acordo com o estudo, nos casos em que havia câmeras instaladas nas fardas dos policiais, a incidência de contatos físicos com os abordados e a necessidade do uso de algemas caiu 61,2%, conforme divulgado pela CNN. O registro das ocorrências e o encaminhamento dos casos também sofreram repercussões positivas nos casos em que os policiais usavam as câmeras. Foram utilizados nos estudos dados de abordagens policiais de 2018, em comparação com o período de utilização efetiva das câmeras.

“Os resultados mostraram que câmeras corporais são efetivas em melhorar a natureza da interação polícia-cidadão — em contraste com a literatura existente. As câmeras reduziram o uso da força pela polícia e melhoraram a precisão dos informes (relatórios) policiais. O experimento tem implicações políticas importantes. Primeiramente, os resultados sugerem que as câmeras são efetivas em coibir a violência policial, o que indica que usá-las pode aumentar a responsabilidade de policiais. Isso sugere que as câmeras afetam a dinâmica da situação ao prevenir a escalada da tensão que iria se desdobrar durante operações de rotina”, apontam os pesquisadores.

Minas Gerais

Em Minas Gerais, as mais de mil câmeras corporais adquiridas pelo governo estadual foram colocadas em funcionamento pela Polícia Militar em dezembro de 2022. De acordo com a assessoria de imprensa da corporação, o uso alternado dos equipamentos pelo efetivo da corporação vai permitir que cerca de 4 mil policiais possam contar com a tecnologia durante a jornada de trabalho.

O investimento total no sistema foi, segundo a PM de Minas Gerais, de R$ 2,4 milhões. Além das câmeras, também foram adquiridas bases de carregamento e de download das imagens, além de mais de mil pistolas de impulso elétrico. A corporação estuda um convênio com o Ministério Público para que seja feita uma ampliação no número de equipamentos, de forma que toda a tropa possa usar as câmeras, assim como já o fazem com os coletes e as armas.

O entendimento da corporação é de que o uso das câmeras trará transparência e resguardo aos militares. “A utilização dessa tecnologia traz ainda mais transparência ao trabalho do policial militar, sabendo que suas ações estão sendo resguardadas por meio de uma prova que ele produziu. A produção dessa prova pela própria instituição faz com que o policial militar se sinta ainda mais protegido para poder atuar de forma legítima e sabedor que qualquer denúncia falsa contra ele pode ser provada por meio das imagens”, afirmou major Layla Brunnela, porta-voz da PMMG.

O que??

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