“Daqui a pouco o prefeito do bosque chega”. “Beleza! Vou esperar sentado aqui no banco mais um pouco então e entrego pra ele”, responde um homem que está segurando um molho de chaves, esquecido por alguém. Essa pode parecer uma conversa meio sem sentido, mas quem frequenta o Bosque Irmã Clementina, em Curitiba, facilmente entende quem o homem está aguardando.
O Bosque Irmã Clementina fica na Rua Paulo Friebe, em frente ao número 60, no Bairro Alto. Ele foi tema de uma reportagem recente da Tribuna do Paraná. Podendo ser descrito como um ‘oásis secreto’ no meio de uma cidade agitada, no espaço é possível relaxar ouvindo o cantar dos pássaros e a água caindo pelo chafariz do lago. Contemplando a grande quantidade de árvores que ali estão, é quase que automático reconhecer a grandeza e importância da natureza.
Para os visitantes de primeira viagem, o bosque secreto guarda outra particularidade: ele é cuidado voluntariamente e quase que integralmente por um morador da região, que ficou conhecido como o prefeito do bosque – título que o próprio possui ressalvas, mas compreende que é um apelido carinhoso dado pelos outros moradores.
Foi em 2012, mesmo ano em que a Tribuna publicou uma matéria falando sobre as más condições do bosque, que o diretor de imagem e cinegrafista Mauricio Cesar Stevan Cruz, 51 anos, resolveu revitalizar o espaço. Morando em apartamento e sentindo falta de um contato mais próximo com a natureza, ela viu a chance de iniciar uma atividade diferente. Com a ajuda de um amigo, eles começaram a limpar o bosque e, aos poucos, criaram uma estrutura que pudesse ser utilizada pelas famílias.
“Plantamos 500 árvores em uma pegada só. Nós enchemos esse lugar de buraco, o povo tava ficando louco já comigo porque parecia aqueles queijos suíços. De repente começou a chegar árvore e nós plantamos. Dessas 500, 250 são de frutas. [Tem] araçá, pitanga, amora, goiaba”, conta.
O trabalho voluntário de Maurício foi chamando a atenção dos vizinhos e mais pessoas se mobilizaram pela causa. Com essa união, em 2014 criaram a Associação dos Amigos do Bosque.
“Criamos a associação pra conseguir benfeitorias para esse lugar. Já são 12 anos. Virou uma coisa que todo mundo conhece, todo mundo sabe que existe a associação. Não somos muitos associados, mas tem muita gente que diz que é amigo do bosque também. Oficialmente somos em 10 pessoas. Não temos nenhuma movimentação financeira desde que começou. Montamos a associação só para poder pedir as benfeitorias para cá, pedir em um volume maior e funcionou”, explica o diretor de imagem.
Trabalho conjunto de moradores transforma bosque em Curitiba
A união realmente fez a força. Fazendo pedidos recorrentes à Prefeitura de Curitiba, a Associação conseguiu várias melhorias, como novos postes de iluminação, bancos e asfalto para a caminhada dos pedestres. “Agora a próxima obra que está na mira é a contenção do Rio Bacacheri em torno do Bosque Irmã Clementina”, conta Mauricio, acrescentando que o projeto já está previsto dentro da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025.
Mesmo com as conquistas obtidas por meio da Associação, Maurício sempre está trabalhando no espaço. Ele visita o bosque todos os dias. Rotineiramente troca os sacos de lixo das lixeiras, junta os lixos que alguns visitantes jogam no chão, fiscaliza as árvores plantadas e cuida do lago. Inclusive, foi ele que criou o chafariz do lago com o objetivo de reoxigenar a água.
“Tem muita coisa aqui que é uma manutenção eterna. Foi uma coisa que começou como um hobby pra cuidar da natureza, acabou virando uma paixão. A gente planta, faz podas, cuida da água, dos peixinhos, de todos os bichos que tem aqui. A fauna aqui é muito grande. Tem desde gambá, raposa, esquilo, pato, garça. Tem muita coisa para fazer aqui dentro. É serviço o dia inteiro, é muito gostoso”, afirma.
Foi mexendo no local que o morador também descobriu um talento com plantações. “Eu sempre gostei de plantas. Eu nasci em cima de um pé de ameixeira, mas nunca fui um plantador. E desde que comecei aqui já plantei umas mil árvores. Como dizem, tem o dedo verde, planta e nasce”, brinca.
Bosque secreto em Curitiba recebe muito amor
É possível perceber o amor de Maurício pelo lugar até nos pequenos detalhes. Nas lixeiras, por exemplo, ele tem o cuidado de colocar um pequeno pedacinho de madeira para segurar e evitar que o saco de lixo voe com o vento. “Outra coisa que me preocupo bastante é que todos os sacos de lixo tenham um furinho”, comenta. Assim, quando chove a água não fica acumulada.
Para o morador, o Bosque Irmã Clementina adquiriu um grande significado. Realizando trabalhos como freelancer, ele concilia as obrigações com o bosque, mas garante: “aqui é o prazer”.
Mesmo com o trabalho exaustivo e vendo que algumas pessoas não respeitam o espaço e até mesmo roubam as árvores, ele não desanima e continua zelando pelo lugar. “Para a minha saúde foi uma mudança radical. Eu vim para cá eu tinha 110 kg mais ou menos. Só de caminhar, de fazer coisas aqui dentro o dia inteiro, serviu para emagrecer 20kg e se apaixonar pelo lugar”, comenta.
A iniciativa é reconhecida pelos outros moradores. Carlito Miranda revela que sempre vê Maurício trabalhando no local. “O bosque é muito bem cuidado. O Maurício entra no lago, arruma o chafariz, chama a viatura quando tem algo suspeito. Todo dia ele faz a limpeza e coleta de lixo. Sem ser funcionário de ninguém. Já vi esse rapaz até de roupa social fazendo limpeza. Sempre está em contato com autoridades para o que precisa. Eu tiro o chapéu pra ele”.
Além de fazer algo que gosta, o diretor de fotografia também fica feliz ao ver crianças se divertindo no local, famílias confraternizando e pessoas caminhando ou correndo. Tendo uma vida mais completa com a presença do bosque, Maurício aconselha: “adote uma área verde perto da tua casa. Isso faz um bem não só pra gente, mas faz um bem pra todo mundo. E é tão bom fazer o bem sem ver a quem”.
Cuidado voluntário a contrato pela prefeitura
Mauricio explica que como estava cuidando há quase 12 anos do Bosque Irmã Clementina, a prefeitura entrou em contato com ele para o contratar pelo serviço. Nesse acordo, além do bosque, ele também ficou encarregado de outro parque, próximo do local.
O morador comenta que passou cuidando dos dois espaços durante um ano. Depois dos 12 meses a prefeitura encerrou o acordo e disse para ele que o contrato tinha acabado. Por conta disso, ele voltou a cuidar voluntariamente apenas do Bosque Irmã Clementina.