Ações de inteligência

Assaltos violentos a bancos do “novo cangaço” são combatidos pela polícia do Paraná; saiba como

Policiais militares à paisana do Serviço de Inteligência monitoraram a quadrilha até a interceptação, em Três Barras do Paraná. Foto: Reprodução/RPC

A interceptação feita pela Polícia Militar (PM) de uma quadrilha prestes a assaltar simultaneamente dois bancos no interior do Paraná, semana passada, comprova que a inteligência faz diferença no trabalho das forças de segurança contra o novo cangaço. Esse crime ganhou força em todo o país nos últimos anos, incluindo as pequenas cidades do Paraná, onde o policiamento é menor. Os assaltantes aliam arsenais pesados, incluindo armamentos de guerra capazes até de derrubar aeronaves, com ações violentas, planejamento estratégico e logística.

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Na ação na madrugada de quinta-feira (4), forças especiais da PM, incluindo o Comando de Operações Especiais (COE), equipe de elite da corporação, posicionaram-se estrategicamente à espera do grupo em Três Barras do Paraná, município de 12 mil habitantes no Sudoeste do estado. O plano da quadrilha era explodir ao mesmo tempo e levar o dinheiro das agências do Banco do Brasil e Sicredi, a uma distância de cerca de 700 metros uma da outra. Foram apreendidas armas de grosso calibre, como fuzis Ak-47 e 7.62 – este último capaz de matar um alvo à distância de 2,5 quilômetros -, além de pistolas.

Os criminosos chegaram em dois carros cumprindo o modus operandi do novo cangaço: distribuíram fortes rajadas de tiros não só para assustar a população, mas também na tentativa de acuar o policiamento local. Porém, o grupo foi surpreendido pela pronta resposta da PM que, além de equipes táticas no solo, posicionou atiradores de elite, os snipers, em imóveis na avenida

Parte do arsenal apreendido na ação da PM que surpreendeu assaltantes de banco na cidade de Três Barras do Paraná. Foto: Polícia Militar do Paraná

“Os criminosos não levaram nada e ninguém foi feito de refém, como é comum nesse tipo de ação. Fomos antes ao local e nos posicionamos para agir assim que a quadrilha chegasse. Graças a essa ação cirúrgica da Polícia Militar, as pessoas só perceberam o roubo no momento do confronto e ninguém ficou ferido”, ressaltou o comandante-geral da PM, coronel Hudson Leôncio Teixeira em entrevista coletiva após a operação.

Quando cita a tomada de reféns, o coronel Hudson se refere à tática deste tipo de ação em transformar a própria população em escudo humano. Nesses casos, os bandidos obrigam os moradores a formarem um cordão em torno da agência assaltada para atrapalhar a ação de atiradores de elite e até chegam a colocar pessoas nos capôs de veículos em fuga para que não sejam alvejados.

Na primeira abordagem, ainda no centro de Três Barras do Paraná, três suspeitos morreram no confronto com a PM. Na sequência, a polícia alvejou outros dois suspeitos que haviam fugido para a zona rural. Um dos assaltantes faleceu após um artefato explosivo ser acionado na segunda troca de tiros. Outros dois criminosos fugiram novamente, mas um deles foi capturado.

Oitenta policiais militares, incluindo reforços de Curitiba, Foz do Iguaçu e outras cidades, participaram da ação. Além do COE, os batalhões de Fronteira e de Choque, a Rotam e equipes locais do 5º Comando Regional de Cascavel integraram a operação. Efetivo todo planejado e mobilizado graças ao monitoramento de quase dois meses feito pela Inteligência da PM. A P2, como é conhecido o Serviço Reservado da Polícia Militar, já havia identificado que o grupo era o mesmo que cometera dois assaltos em julho a bancos na cidade de Campo Bonito, no Sudoeste, e mais dois em agosto, nas cidades de São Carlos do Ivaí e Mariluz, ambas no Noroeste do estado.

“Com base no que a inteligência nos trouxe, com informações dos armamentos que eles tinham, dos explosivos que pretendiam usar, dos veículos que foram roubados na região e que seriam usados na fuga, trouxemos o efetivo necessário para apoiar o policiamento da localidade”, enfatiza o coronel Hudson. “Foi um trabalho árduo, que não aparece, que é o da inteligência. Nosso pessoal teve paciência em saber como eles operavam para trazer as equipes táticas para o local certo, no momento certo”, enfatiza o comandante da PM.

Inteligência do lado de lá

Assim como as forças policiais, os criminosos do novo cangaço que atuam no Paraná também utilizam de seus próprios métodos para obter informações no planejamento de crimes. A partir de levantamentos in loco que podem levar até meses, os criminosos calculam não só a quantidade de pessoas e os tipos de armamento nas ações, mas também alugam imóveis de base e definem rotas de fugas. Esse planejamento especifica inclusive maneiras de atrapalhar a ação policial, muitas vezes bloqueando com veículos incendiados as rodovias que dão aceso ao município do assalto, proibindo dessa forma a chegada de reforço policial ao local.

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A quadrilha interceptada em Três Barras do Paraná já havia se instalado há cerca de dois meses na região para estudar o efetivo e o arsenal do policiamento da cidade. “Antes da ação, eles observaram a realidade local, fizeram um levantamento do que tínhamos de policiamento na região. Só não sabiam que desta vez havia equipes no apoio”, aponta o comandante da PM.

Por isso, afirma o coronel Hudson, a comunicação da PM paranaense com corporações de outros estados tem sido cada dia maior para tentar se adiantar aos novos cangaceiros. “As agências de inteligência da PM estão em contato direto com forças de outros estados para avaliar a ligação desses indivíduos em outras ocorrências no país”, aponta o coronel. Até porque, relata ele, as quadrilhas também trocam informações entre si, inclusive para empréstimo e aluguel de armamentos para executar ações.

Quatro dias antes da ação em Três Barras do Paraná, operação conjunta da PM de Minas Gerais e da Polícia Rodoviária Federal (PFR) já havia interceptado outro grupo de novo cangaço na cidade de Varginha. Também a partir do serviço de inteligência, as corporações chegaram a duas chácaras de onde a quadrilha partiria para assaltar o centro de distribuição de valores do Banco do Brasil no município mineiro.

Vinte e seis suspeitos morreram na interceptação, sendo 13 de Minas, cinco de Goiás, duas do Distrito Federal, duas do Maranhão e uma de São Paulo, Rondônia, Amazonas e Pará. Na ação em Três Barras do Paraná, semana passada, a PM confirmou que um dos suspeitos mortos era da Paraíba, onde também teria participado de ações desse gênero.

Investigações

Segundo o delegado Rodrigo Brown do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), unidade da Polícia Civil do Paraná responsável pela investigação de assaltos a bancos, o nível de planejamento dos crimes do novo cangaço é tanto que exige investigações de alta complexidade.

“Essas quadrilhas investem alto não só em armamentos, mas também em logística, que vai desde o tipo de armamento a ser usado até transporte, alimentação e as bases para ficarem. Assim como nós fazemos um planejamento detalhado para prender esses criminosos, eles também fazem o planejamento deles”, reforça Brown.

O delegado do Cope afirma que o Paraná teve uma explosão deste tipo de crime entre 2015 e 2017. “A gente tinha praticamente toda noite explosões de caixas eletrônicos aqui na região de Curitiba”, recorda. A diminuição veio, enfatiza, justamente pela troca de informações entre as forças de segurança não só do Paraná, mas de outros estados, incluindo forças nacionais, como as polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PFR).

“Hoje a situação está relativamente controlada no Paraná. Mas se baixarmos a guarda, esses grupos tomam conta. A investigação nesses casos tem que ser constante e as interceptações demandam muito trabalho antes da nossa ação. Às vezes nosso pessoal fica meses monitorando, viajando, seguindo os passos desses grupos”, reforça o policial civil.

Brown cita uma ação do Cope no fim de 2020 que impediu que um grupo que atuava em outros estados assaltasse mais um banco no Paraná. “Esse grupo iria agir em Paranaguá, no Litoral, e sabíamos que antes haveria uma transação de armas em Campina Grande do Sul, na região de Curitiba. Fomos a essa chácara, prendemos a quadrilha e apreendemos armas e explosivos”, relata o delegado. Na operação, um dos policiais foi alvejado pelos assaltantes.

Segundo Brown, os integrantes do mesmo grupo participaram de dois dos maiores assaltos a bancos recentes no país, em abril de 2020 em Criciúma (SC) e em Araçatuba (SP), no fim de agosto deste ano. “Os detonadores que apreendemos aqui eram os mesmos usados nessas duas outras ações, o que mostra que esses grupos agem em vários estados”, aponta Brown.

Em Criciúma, os criminosos levaram R$ 125 milhões de uma agência bancária na noite do dia 30 de novembro para 1.° de dezembro. Um policial militar ficou ferido no confronto, permanecendo dois meses internado.

No interior paulista, três agências bancárias foram invadidas simultaneamente, sendo que duas foram explodidas. Cinco pessoas, sendo dois moradores e um criminoso, foram mortos no confronto com a Polícia Militar. Outras cinco pessoas ficaram feridas nas trocas de tiros de alto calibre.

O crime em Araçatuba ficou marcado pela violência dos criminosos e audácia. O grupo chegou a formar uma barreira humana para caminhar na frente dos assaltantes nas ruas e, assim, não serem alvejados caso a polícia reagisse. Moradores também foram levados no capô dos veículos em fuga em alta velocidade. Um morador ficou gravemente ferido ao passar de bicicleta e acionar uma das bombas instaladas pelos assaltantes.

Os criminosos chegaram a utilizar um drone para monitorar a aproximação da polícia. O valor levado pelos criminosos que fugiram de Araçatuba não foi informado. Na sequência, investigações da PF com apoio da PM paulista levaram à prisão de 16 suspeitos.

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