Personalidades da cidade

Artista autodidata supera perda de visão e encanta no Jardim Botânico

Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná.

O Jardim Botânico, um dos cartões-postais mais famosos de Curitiba, é conhecido pela sua beleza natural exuberante. Além das belíssimas flores e árvores, o ponto turístico guarda outras preciosidades. O pintor Daniel Moura, de 75 anos, expõe por lá telas e impressões há quase 20 anos. Junto com artesãos, Daniel está instalado no Salão de Exposições – que é acessado por uma passarela de madeira.

Cheio de bom humor, rodeado por telas e sentado em um banquinho em frente ao cavalete, Moura conta que a pintura apareceu cedo na vida dele, desde os 12 anos. Autodidata, sem nunca ter feito um curso, o artista uniu dom e vontade, fazendo do pincel uma companhia de vida. Em um primeiro momento, a pintura era um passatempo. Mas com o passar do tempo, como ele mesmo diz: “a brincadeira virou profissão”.

“Minha profissão era construção civil. Isso aqui [pintura] veio à tona de 25 anos para cá e virou profissão. Mudei [de ramo] porque já vinha um pouquinho da idade, eu já tava com 50 anos e isso aqui rendia melhor que o serviço pesado”, revela Moura.

Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná.

Como toda profissão, essa também tem desafios. Em 2009, o pintor perdeu quase toda a visão do olho esquerdo. Em 2013, em um grave acidente de carro, um caco cortou o mesmo olho e o pouco da visão que restava foi perdida. Ele revela que nessa época pensou em parar.

“Quando eu perdi a visão esquerda fiz impressão de 15 telas porque eu falei ‘vou parar de pintar e vou passar a vender só impressão’. Mas a vista [direita] melhorou e eu continuei pintando. As impressões que eu pensei que ia perder, trago e vendo mais barato. A impressão é R$ 100. A tela do mesmo tamanho é R$ 280”, explica o artista que é fã do paisagismo.

Para quem gosta de retratar a natureza, a vista do Jardim Botânico é, no mínimo, um colírio para os olhos. O pintor diz que já transferiu para a tela a paisagem privilegiada que observa diariamente ali, mas é fácil notar que ele tem um carinho especial pelas araucárias, presentes em muitas das telas expostas.

“Pinto mais paisagismo, flor, barco, animal um pouco. Rosto não gosto de pintar, já pintei, mas não gosto. Na realidade, quando comecei a pintar o que mais me chamou atenção foi água, pedra e mato. Essas três coisas, queria pintar só isso”, relembra rindo.

Moura explica que as ideias surgem de inspiração e também de imagens que se formam na hora na cabeça dele. “Se eu for num lugar e gostar, eu bato uma foto e jogo na tela. Mas também se colocar uma tela grande eu pinto na hora, sem olhar nada. Muito tempo pintando, fica na cabeça”.

As obras inacabadas

Moura é uma das atrações do Salão de Exposições do Jardim Botânico. É comum que as pessoas que estão passeando ali parem alguns minutos para observar o artista criando um novo quadro. Isso, inclusive, faz com que ele escolha demorar mais para finalizar uma tela, para que as pessoas possam observá-lo com tranquilidade.

“Uma [tela] dessa grande eu fico o dia todo pro pessoal ver pintar, eles gostam. Se eu pintar depressa eles não vão ver. Mas quando eu pego de uma vez, três horas e meia [eu levo para terminar] uma tela grande”.

A alma de artista que não deixa a criatividade descansar nem por um minuto faz com que Moura nunca veja as telas como totalmente acabadas. “Parece que sai um peso de dentro da gente quando termina a tela. Alguém já perguntou se eu erro. Primeiro eu começo brincando que todas as telas tem um defeito: o meu nome, Daniel. Com mais um defeito na própria tela já vão pra dois [erros]. Mas é difícil falar que tem erro. Todas as telas para mim estão inacabadas, falta alguma coisa. Nenhuma fica pronta. Eu termino e, se eu continuar, fico um mês nela. Pra mim sempre tá faltando alguma coisa”, afirma.

Apontando para alguns quadros, ele explica o que mais enxerga neles além daquilo que já está pintado. “Por exemplo, eu podia por uma pessoa em pé na beirada da casa, um cachorrinho descendo, um homem na canoa pescando. Mas se eu for aumentar muito isso aí, fica mais difícil vender também. Se alguém pedir eu faço”, completa.

Moura também pinta paredes e mostra com orgulho um álbum cheio de fotografias de artes feitas em igrejas e escritórios. Entretanto, por conta da idade, ele não aceita muitas encomendas para esse serviço: “não estou muito afim de subir em andaime, sabe”.

Foto: Átila Alberti / Tribuna do Paraná.

A vida fora das telas

Moura nasceu no Norte do Paraná, em Jaguapitã. Lá iniciou os primeiros passos na pintura e também se casou. Depois morou um tempo em Londrina e, por fim, se instalou em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

É pai de três filhos: duas meninas e um menino. Também possui sete netos e três bisnetos. A filha mais velha morreu no mesmo acidente de trânsito em que ele cortou o olho, em 2013. “O cara bateu no meu carro, três jovens bêbados. Eu capotei e minha filha faleceu na hora. Grávida de três meses. Os outros Deus livrou. Eu tinha essa vista quase perdida e o caco caiu dentro do olho ruim. Se cai no outro eu tava cego. Não era hora”, relembra.

Questionado se o dom da pintura foi herdado por algum filho ou neto, Moura acredita que alguns netos podem se interessar. “Eu procuro querer ensinar, mas eu to esperando, eles tem que ter vontade também. Uma filha minha, a caçula, tinha vocação para isso aqui. Me ajudou a fazer um mural, mas disse que não gostou. Então se não gostou não adianta, tem que gostar e ter o dom. São as duas coisas casadas. É quase igual a rede de luz, um fio sozinho não acende, tem que ser os dois”, brinca.

Conquistas

Sem saber quando vai parar, Moura coleciona boas histórias. Uma delas ocorreu em 2007, quando ele fez uma exposição no Jardim Botânico com outros 20 artistas. Nessa ação, os visitantes assinavam o quadro que mais tinham gostado e ganhava um troféu quem recebesse mais assinaturas.

“Eu tinha um alto-relevo. Tinha quadro de R$ 2.800, R$ 3 mil. A minha tela era R$ 500. Quando terminou a exposição me deram o primeiro lugar. O cara que me passou a taça falou ‘tem mais uma lá que faltou dois votos pra alcançar essa aqui’. Fui lá ver. Era minha também. Ganhei primeiro e segundo lugar. A outra eu vendi, mas essa está lá em casa e tem o certificado dela lá também. Essa tem outro significado”, conta.

Outra curiosidade do artista é o godê (prato de tinta). Moura explica que trocava o objeto com frequência, até que resolveu ficar com o mesmo por um tempo. De tanto limpar o pincel, o godê dele ficou totalmente grosso de tinta seca. “Não sei até quando vai, uma hora vou pendurar ele e colocar outro aqui”.

Além das pinturas grandes, Moura vende quadros pequenos pela média de R$ 30. O pintor, que está quase diariamente no Jardim Botânico, também aceita encomendas.

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