A investigação da Polícia Federal (PF) que embasou uma operação para desarticular o plano de um núcleo do Primeiro Comando da Capital (PCC) contra autoridades públicas mostra que a ameaça da organização criminosa ao senador Sergio Moro (União Brasil-PR) não era uma “armação”, como sugeriu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quinta-feira (23).
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Provas entregues pela PF à Justiça do Paraná apontam que não apenas Moro se encontra na mira do PCC, mas também seus filhos e sua mulher, a deputada federal Rosângela Moro (União Brasil-SP). Segundo a juíza da 9ª Vara Federal de Curitiba Gabriela Hardt, que autorizou as prisões e buscas e apreensões, as provas indicam que “atos criminosos estão efetivamente em andamento” em Curitiba.
O sigilo sobre as investigações foi retirado pela Justiça na quinta-feira (23) depois que o presidente Lula disse sobre o processo: “é visível que é uma armação do Moro”.
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Diversas autoridades reagiram à fala de Lula, inclusive Associação dos Delegados da Polícia Federal, que divulgou uma nota contrariando a afirmação do presidente e apoiando os policiais envolvidos na operação.
O processo que se originou na investigação aponta a “presença física” dos investigados, a compra de veículos, o aluguel de imóveis e o monitoramento de endereços e atividades de Moro “há pelo menos seis meses”, atestou a juíza. As ações para a concretização do ataque iniciaram-se, efetivamente, em setembro do ano passado, justamente no período eleitoral. Elas surgiram da apuração sobre constantes ameaças de morte feitas pelo PCC contra o promotor Lincoln Gakyia, de São Paulo, mas foram assumidas posteriormente pela Polícia Federal.
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De acordo com o processo, a quadrilha continua ativa até esta semana e, portanto, ainda era uma ameaça a Moro. Os criminosos chegaram muito perto de atacá-lo durante as eleições de 2022, mas não se sabe por que o plano não foi levado a cabo. Em fevereiro, quando um delator passou a colaborar com a polícia e deu detalhes do plano, Moro e sua família passaram a ser escoltados.
Os investigadores constataram que a célula do PCC monitorou mais ativamente o hoje senador durante o período eleitoral. Trocas de mensagens interceptadas pela polícia mostram que a quadrilha tinha informações detalhadas sobre o local de votação de Moro e de endereços residenciais.
A investigação mostra que a organização criminosa conseguiu, inclusive, obter informações que “deveriam ser sigilosas”, como placas de carro usando sistema público, e, assim, identificar veículos das forças de segurança.
Quem está por trás do planejamento de sequestro contra Moro
A investigação indica que os suspeitos integram um núcleo do PCC chamado “Restrita 5”, que teria Janeferson Aparecido Mariano, vulgo “Nefo”, “NF” e “Dodge”, como a principal liderança da célula criminosa.
A Gazeta do Povo tentou entrar em contato com os advogados do suspeito, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
O investigado seria o responsável pela organização, financiamento, planejamento e execução do sequestro contra Moro e sua família. O núcleo chefiado por ele tem, segundo a polícia, a participação de outras 15 pessoas que estão sob a investigação policial.
Provas obtidas por quebra de sigilo telemático e telefônico apontam que o grupo tem “capacidade bélica notória”, segundo a PF e a juíza Gabriela Hardt. Registros fotográficos apontam “armas variadas” dentro de casas, sob móveis, que indicam que “efetivamente estão prontas para uso da organização criminal”.
A polícia diz ter identificado ainda um veículo blindado, que se encontra no Paraná, juntamente com uma anotação que fala em “três carros pretos”, além de outros dois veículos com referência a “cofre”. Esses últimos seriam os veículos usados para transportar bandidos armados com fuzis. “Os criminosos já adquiriram veículos para serem pintados de preto, imitando viaturas policiais, a fim de conseguirem facilitar seu abominável intento”, aponta a investigação.
O que é a “restrita” do PCC e como se iniciou a investigação da PF
A investigação da PF teve início com a delação de um ex-membro do PCC que, agora, se encontra sob o programa de proteção de testemunha. Ele disse que se encontra “jurado de morte” pela quadrilha e apontou que uma pessoa de alcunha “NF”, Janeferson Aparecido Mariano, liderança do “Restrita 5”, estaria incumbido de “tirar sua vida”.
Segundo a testemunha, que depôs em oitiva à PF em 2 de fevereiro deste ano, o “Restrita 5” é um setor dentro do PCC responsável por matar ex-integrantes da facção e também por cometer atos criminosos contra autoridades e agentes públicos.
O setor da “Restrita” chefiado por Janeferson é acusado pela testemunha de coordenar atos não somente em São Paulo, mas no Brasil inteiro. O delator disse que “recentemente” ficou sabendo que o líder da Restrita 5 estaria planejando atentados contra autoridades, e citou Moro como alvo.
Indagado sobre o que tipo de atentado seria, a testemunha disse que um informante falou que Janeferson estaria encarregado da tarefa de “levantar informações e sequestrar”, mas não soube especificar quais atos criminosos seriam realizados posteriormente. O homem sugeriu, ainda, ser uma testemunha valiosa para as investigações. Ele afirmou à polícia que, para um “faccionado qualquer”, não haveria atuação da Restrita, mas, do “Tribunal do Crime”.
Em outras palavras, a “Restrita” seria uma espécie de unidade de operações especiais do PCC. As punições para membros da facção menos importantes seriam realizadas por “soldados” ordinários do PCC em execuções extra-judiciais que ficaram conhecidas como “Tribunal do Crime”.
Diálogo entre líder e mulher deu à PF as diretrizes da investigação
O delator forneceu quatro números de telefone que seriam de contatos de pessoas próximas a Janeferson Aparecido Mariano e, em posse dos contatos e também de e-mails, a polícia solicitou e obteve a quebra dos sigilos telemático e telefônico dos investigados. Ao longo da investigação, os policiais observaram “elementos que comprovaram as informações indicadas pela testemunha”.
De um dos e-mails que teve o sigilo quebrado, a PF identificou uma mulher com quem ele teria “relação amorosa”, aponta a investigação. Uma conversa entre os dois pelo WhatsApp levou os policiais a “descortinar” o plano articulado para o sequestro de Moro e família.
Em uma conversa afetuosa entre ambos, onde se chamam mutuamente de “amor”, Janeferson pede que a mulher guarde alguns códigos enviados por mensagens sob o argumento de que poderia esquecê-los. O código definido para “Moro” foi “Tokio”. A palavra “Flamengo” foi escolhida como código para sequestro.
Uma das palavras é “MS”, abreviatura do estado do Mato Grosso do Sul, e seu código era “México”. Outra palavra enviada por Janeferson à mulher é “ação”, que teve “Fluminense” como o código. As palavras Flamengo e Tokio foram encontradas em anotações que, para os investigadores, seriam controle de gastos.
Quão organizado é o núcleo que ameaça Moro e sua família
A investigação sugere que a Restrita, mais especificamente o núcleo Restrita 5, é bem organizado, dispondo de coordenação financeira e logística para o planejamento e o cometimento de possíveis crimes. Além de Janeferson Aparecido Mariano, a célula criminosa contava com outras quatro lideranças.
Eram criminosos conhecidos como “Forjado”, “Guinho”, “Rê”, e “El Cid”. Os quatro são apontados pela investigação como responsáveis pela organização, financiamento e planejamento do sequestro de Moro e família.
“Forjado” ocuparia o cargo de “Sintonia Final”, que é o principal líder da facção em uma determinada área, que atua em liberdade. Isso porque a cúpula do PCC opera de dentro de penitenciárias.
Janeferson seria o responsável pela execução do sequestro de Moro ou de um de seus familiares, aponta o inquérito policial. A “principal mulher” do criminoso é apontada como responsável por auxiliar na contabilidade das atividades ilícitas.
A investigação aponta que um grupo de mulheres atuava como operadoras financeiras e auxiliares operacionais do esquema criminoso. Entre elas, são investigadas outras cinco mulheres, sendo outras duas apontadas como companheiras de Janeferson. Esse grupo seria responsável pelo controle da parte financeira no principal núcleo operacional, por atuar como “laranjas” e serem responsáveis pela logística e inteligência da quadrilha.
Outros investigados são “Nei”, “Carro sem Moto Léguas”, e um terceiro homem. Eles atuariam na parte operacional do bando, sendo ligados diretamente a Janeferson. Já “Frank” participaria na área operacional ligado à parte financeira do núcleo.
A investigação também mira outros dois participantes ainda não identificados: “Milco”, que atua na parte operacional do núcleo e é dito como o responsável por realizar as cobranças de prestação de contas dos integrantes que realizam a maior parte das atividades de campo; e “Dierre”, suspeito de intermediar a locação dos imóveis junto às imobiliárias para a logística do sequestro.
Qual é o nível de influência do núcleo investigado no PCC
O núcleo investigado pela PF sugere ter um patamar elevado no PCC. Janeferson Aparecido Mariano, por exemplo, tem sua liderança “percebida” pelo desfrute de “bens de alto poder aquisitivo”. “O que só ocorre com os integrantes do topo da pirâmide do PCC, pois, em regra, todos os demais cometem crimes para sustentar os líderes, sem aumento de volume patrimonial [mão de obra barata]”, aponta a PF. “Vale destacar que esse patrimônio encontra-se em nome de terceiros, inclusive alguns com passagens criminais”, complementa.
A PF aponta também que Janeferson e sua “principal companheira” usam “constantemente” nomes de outras pessoas para registrarem seus bens, em um “claro intuito” de não serem descobertos nas práticas ilícitas. Os investigadores citam ainda que Janeferson usa laranjas em imóveis vinculados a ele.
Outra liderança da célula criminosa é “conhecido assaltante de bancos, com vasta ficha criminal” e, assim como “El Cid”, é “conhecido por ações violentas”, apontam os investigadores. “A participação dele em videoconferência com Janeferson e demais comparsas reforça ainda mais a participação de lideranças do PCC nas referidas ações”, aponta a PF.
Subordinado a Janeferson, um dos investigados é mencionado como o responsável pelas vigilâncias e levantamentos sobre Moro, incluindo uma prestação de contas que ele apresentou “desde a metade do ano passado”. Tamanha é a confiança dele junto à organização criminosa que “Milco”, ainda não qualificado, mas hierarquicamente superior a ele, demonstrou “extrema confiança” ao cobrar a prestação de contas, “pois ambos verificaram problemas e atrasos na prestação de contas de outros integrantes”, diz a PF em outro trecho do relatório da investigação apresentado à Justiça Federal.