A demora na obra da Linha Verde não impacta apenas no trânsito. O mercado imobiliário também reclama que a lentidão da prefeitura de Curitiba em concluir a via, cujos trabalhos completam 16 anos em 2022, atrapalha o setor.
A substituição da BR-116 pela Linha Verde começou em 2006, ainda no primeiro mandato de Beto Richa (PSDB) como prefeito. A meta atual do prefeito Rafael Greca (DEM), que chegou a anunciar a conclusão para 2020 e 2021, é de terminar a Linha Verde no último ano de seu mandato, em 2024.,
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Nos primeiros anos de obras, houve um boom imobiliário no entorno da Linha Verde. Cenário que, de acordo com representantes do mercado imobiliário, passou a mudar há dez anos por dois fatores. Primeiro, a decisão do município de usar créditos de potencial construtivo para bancar o término da via. Segundo, o ritmo lento que tomou conta dos canteiros, com constantes atrasos.
Em 2012, a gestão do prefeito Luciano Ducci (PSB) decidiu reforçar o caixa da obra vendendo cotas exclusivas de potencial construtivo para a Linha Verde, chamadas de Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac). A aquisição desses créditos virtuais – leiloados na Bolsa de Valores – permite que as incorporadoras ergam imóveis acima do padrão determinado pela lei municipal de zoneamento. Ou seja, prédios com mais pavimentos do que o permitido. Em troca, o município investe esse dinheiro na Linha Verde.
Ao reassumir a prefeitura em 2017, Greca determinou a retomada dos leilões de Cepac para que a Linha Verde avançasse. De 2012 até a última negociação, em março de 2021, a prefeitura vendeu o total 217.165 cotas de Cepac, o que reforçou o caixa da Linha Verde em R$ 53,4 milhões.
O volume arrecadado com potencial construtivo até agora é o equivalente a apenas 63,6% do custo de um único trecho da via, o lote 4.1, no bairro Atuba, cujo contrato com a empreiteira foi rompido pela segunda vez no fim do ano passado. Isso levou a prefeitura a abrir nova licitação, consequentemente, atrasando mais uma vez a conclusão do trecho que, pelo projeto original, deveria estar pronto no fim de 2020.
O valor da cota de potencial construtivo na Linha Verde é de R$ 336, o mais barato de todas as regiões de Curitiba. Mesmo assim, apontam empresários do setor imobiliário, o custo extra para erguer prédios com mais pavimentos dificulta na hora da venda.
“O custo do Cepac é alto para construir. Então as construtoras têm preferido fazer imóveis onde não precisa potencial construtivo porque, além de não ter esse custo extra, dá para vender o imóvel mais rápido por não ter todos os transtornos da obra da Linha Verde”, avalia o construtor e proprietário da imobiliária JBA Imóveis, Ilson José Gonçalves, que tem empreendimentos no entorno da via. “Hoje, do jeito que a Linha Verde está, o empresário pensa duas vezes em investir lá”, enfatiza.
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Segundo o proprietário da JBA, os imóveis da Linha Verde neste momento só atraem quem já tem família na região e pensa a longo prazo, quando a via estiver de fato pronta. “Se a pessoa pensa em ter uma casa ou um sobrado onde vai morar por 15, 20 anos, até vale investir hoje na Linha Verde, já vendo a via pronta lá na frente. Mas no caso do público do primeiro imóvel, como um casal que acabou de se casar e pensa em adquirir um imóvel para morar só até comprar outro melhor, outras regiões são mais atrativas diante de todo trânsito que a Linha Verde tem hoje por causa das obras”, aponta Gonçalves.
O presidente da Câmara de Valores Imobiliários do Paraná (CVI-PR), entidade que executa avaliações e laudos de imóveis, Edson Luis Esquinazi, tem a mesma opinião. Segundo ele, a conta das construtoras não fecha na hora de vender os imóveis construídos com Cepac. “O potencial construtivo hoje faz com que as construtoras recuem de investir em empreendimentos na Linha Verde. Tanto que a maioria das construções que têm lá são da lei antiga, quando construir era mais barato”, argumenta.
Esquinazi também afirma que a indefinição quanto à conclusão da Linha Verde, com obras atrapalhando o trânsito, também afastam os clientes. O que acaba impactando no valor dos imóveis.
O presidente da CVI-PR cita o caso de um apartamento de dois quartos de 77,8 metros quadrados, sendo 55,93 metros quadrados de área privativa, no bairro Fanny que está à venda em sua imobiliária. Quando foi inaugurado em 2016, o imóvel foi vendido por R$ 298 mil. Agora, o mesmo apartamento voltou para venda por menos do que foi negociado anteriormente: R$ 295 mil. “Pelas dificuldades da região , a pessoa está tendo de vender por menos mesmo com toda a valorização que os imóveis tiveram nos últimos anos e com investimento de R$ 50 mil em móveis embutidos”, compara.
Imóveis parados
Outro construtor que prefere não se identificar afirma que tem optado por investir em outras regiões mesmo tendo quatro terrenos no entorno da Linha Verde. “Para mim, se tornou inviável. Em um empreendimento até comprei Cepac porque pensei que dava para fazer imóvel de alto padrão se a obra da Linha Verde avançasse. Mas hoje quem vai comprar imóvel de alto padrão na Linha Verde com aquele trânsito?”, questiona.
“Para mim, ficou inviável um empreendimento na Linha Verde à altura do que eu pago para construir. Quando construí antes do Cepac, vendi tudo rapidinho. Mas hoje, além do Cepac, o cliente mal consegue chegar para ver o imóvel”, alega o empresário sobre as dificuldades.
O empresário cita um prédio de 86 apartamentos de dois a três quartos, com tamanho de 70 a 120 metros quadrados, que construiu em 2013 na altura da Rua Fagundes Varella. Quase nove anos depois, 15 unidades ainda não foram vendidas, o que ele credita à lentidão da obra viária.
O construtor também afirma que um imóvel de mesmo padrão em outra região, sem as dificuldades da Linha Verde, é vendido mais rápido e por um preço até 20% maior. “Em outras regiões, um apartamento desse mesmo padrão custaria R$ 500 mil. Na Linha Verde, tive que pôr à venda por R$ 400 mil. Fora que o imóvel parado tanto tempo começa a depreciar, a ficar velho e a precisar de manutenção”, explica.
Para tentar minimizar a perda, o empresário decidiu botar os apartamentos parados para alugar. “Se a Linha Verde estivesse pronta, acredito que teria vendido todas as unidades. Mas entre vender por apenas R$ 400 mil e locar por R$ 2,5 mil por mês, melhor alugar. Pelo menos me livra dos custos dos condomínios”, confessa.
E aí, prefeitura?
Presidente do Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e secretário municipal de Governo, Luiz Fernando Jamur discorda que a venda de Cepac atrapalhe o setor imobiliário. Ele enfatiza que o preço do potencial construtivo na Linha Verde é o mais barato de todas as regiões de Curitiba e está congelado há cinco anos em R$ 336 a cota.
Jamur afirma que a Linha Verde já melhorou o perfil da região, com a substituição de barracões, ferros-velhos e transportadoras dos tempos da BR-116 por um adensamento que vai ganhando força com misto de residências, serviços e comércios de grande porte, como as redes de supermercados, atacados e até shoppings que se instalaram a partir da construção da via. “Vale ressaltar que esse processo não ocorre de uma vez, não é de uma hora para outra”, argumenta, citando o caso do bairro Ecoville.
Segundo o presidente do Ippuc, o Ecoville levou duas décadas para atrair incorporações após a prefeitura instalar toda a infraestrutura do bairro. “Levou 20 anos para o Ecoville vingar e hoje é o the best [o melhor] de Curitiba, ultrapassando o Batel no valor do metro quadrado”, compara. “E isso que Ecoville foi erguido em uma área crua, que era praticamente campo, sem nada. Na Linha Verde, a condição é outra, porque está sendo feito um novo eixo da cidade em cima de uma rodovia. Não tem como parar o fluxo de veículos por causa da obra”, explica Jamur.
Sobre a demora na conclusão da Linha Verde, o presidente do Ippuc ressalta que o prefeito Rafael Greca foi o que mais autorizou leilões de Cepac justamente para acelerar a obra. Foram seis vendas de potencial construtivo da Linha Verde na atual gestão contra apenas três somadas nos mandatos dos dois prefeitos anteriores. “Quando o prefeito assumiu, a Linha Verde se arrastava e ele determinou mais leilões para que a obra avançasse”, recorda.
Jamur também enfatiza que a prefeitura tem recursos garantidos para a conclusão da Linha Verde, incluindo financiamento da Caixa Econômica Federal, além do potencial construtivo. Sobre o Cepac, por enquanto a prefeitura tem optado pelo leilão de valores menores porque, segundo o presidente do Ippuc, o valor deve melhorar quando a obra for concluída. “A Linha Verde é que nem estresse de obra em casa com gente morando: gera transtorno, mas, quando fica pronta, fica bom para todo mundo”, compara o presidente do Ippuc.