Cumplicidade do ministro

Recrudesce de norte a sul a tensão social no campo, na esteira da movimentação capitaneada pelo MST – Movimento dos Sem Terra, que já contamina também a cidade e a política do ainda novo governo. A Jornada Nacional contra o Latifúndio promete novos fatos: de um lado, invasões em franco desafio à ordem estabelecida; de outro, a reação de proprietários que, ante a falta de energia do Planalto na punição dos abusos, prometem defender propriedades e princípios a qualquer custo. Sobra para o governo, no setor representado pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto. “Estão semeando um clima de terror no País – advertem líderes da União Democrática Ruralista – e o ministro se omite.”

A queixa dos líderes da UDR procede. Com o pretexto de combater os latifúndios, o MST invade propriedades produtivas e órgãos do próprio governo, sem que o ministério de Rossetto tome medidas que seriam naturais e desejáveis para quem estivesse disposto a zelar pela ordem e pela democracia. A cumplicidade estaria passando dos limites. “Quando ocorre uma invasão, ele (o ministro) manda representantes do Incra ou da ouvidoria agrária negociar a favor de quem invadiu”, reclamam fazendeiros.

A acusação que parte do lado dos proprietários é, de certa forma, confirmada pelo líder maior do MST, João Pedro Stédile. Em Curitiba, na última quarta-feira, ele reconheceu que o governo de Lula é “simpático” ao movimento, tendo mudado completamente a correlação de forças na questão da reforma agrária. Essa “simpatia”, como quer Stédile, ou essa “cumplicidade”, como acusam os fazendeiros, pode não ser a melhor escolha para um governo que, além da reforma agrária por fazer, tem o dever constitucional da manutenção da ordem.

O desrespeito à norma vigente não só existe na prática como também no discurso. Na mesma oportunidade e lugar, Stédile declarou para quem quisesse ouvir que o MST vai simplesmente ignorar a medida provisória do governo anterior (por enquanto mantida pelo atual) que impede que terras invadidas sejam avaliadas para fins de reforma agrária pelo período de dois anos. “O problema da MP é do governo” – disse ele. “O nosso problema é organizar os trabalhadores no campo.” Segundo Stédile, a MP “não vale” na prática, já que “do ponto de vista social não resolveu nada”.

A posição afrontosa pregada pelo líder do MST acabará por gerar outros problemas lá adiante, quando o ministro Rossetto for convocado a dar seqüência ou não aos processos de sua pasta que se enquadrem na categoria. Ele – já se sabe faz tempo – tem a mesma posição de Stédile sobre a medida, embora o governo a que serve declare e aja de forma contrária (tanto que desistiu da iniciativa anunciada pela modificação da norma que criminaliza as invasões).

A simpatia do governo Lula ao MST, entretanto, não pode ser confundida com a cumplicidade de um de seus ministros com uma das partes envolvidas nesse candente processo social que envolve o campo. Rouba-lhe a autoridade (e legitimidade também) que diz ter para realizar o mais ousado projeto de reforma agrária jamais executado no Brasil. E não contribui para o desejado apaziguamento dos espíritos.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo