Cultura livre é a ideia de que a propriedade de uma música, de um vídeo ou até de um filme de cinema, vale dizer, conjuntamente, o direito do autor sobre determinada obra, com o passar do tempo deverá ter seu valor econômico cada vez mais restrito e, às vezes, será nenhum.
A proposta é para o futuro (cada vez mais presente), pois, nos dias de hoje, a legislação ainda é extremamente protecionista e abrangente, vedando que se veicule qualquer tipo de mídia sem o pagamento do direito autoral, exceto se a obra já se tornou de domínio público ou em casos especiais, como, por exemplo, quando se reproduz pequenos trechos da obra copiada para exibição restrita e direcionada a público especial, ou, ainda, quando “a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores” (inciso VIII, do art. 46, da Lei nº 9.610/98).
As restrições são severas e a tendência (pela subjetividade da lei) é que o autor da obra copiada se sinta, ordinariamente, lesado pelo uso sem autorização de sua criação, sustentando que estaria sofrendo prejuízo injustificado.
Todavia, a lei deve acompanhar a evolução da sociedade, o que, no caso do direito autoral, não está ocorrendo com o necessário sincronismo.
No plano ideal (como dispõe a lei), a utilização de uma fotografia, de um filme ou de uma música, de autor conhecido e não sob domínio público, gera royalties para seu titular ou (pelo menos) deveria propiciar.
No plano real (como ocorre nos dias de hoje), tornou-se, em determinadas situações e ambientes, impossível a cobrança de tais royalties, por evidente falta de controle e fiscalização.
Se você não domina essas ferramentas, peça para alguém mais jovem, ou até mesmo para uma criança, com mais de 10 anos, que “baixe” algumas músicas da internet, “digitalize” determinadas fotos de uma revista, “capture” um conjunto de imagens no Youtube e, com um software de produção de filmes (também obtido gratuitamente na internet), será, você mesmo (com ou sem ajuda), capaz de criar e realizar uma obra audiovisual, sem dúvida, sua e inédita.
Agora, sua vontade é divulgar esse trabalho e, obviamente (!?), receber royalties pela sua inquestionável nova criação. De fato, nunca uma música de Caetano Veloso, utilizada como trilha sonora de uma sequência completa de fotos de Steve Jobs, mesclada com um curta-metragem do Almodovar, foram reunidos, formando uma obra nova e inegavelmente de sua autoria, sendo, num “clic” no mouse, divulgada no Youtube a milhares ou centenas de milhares de pessoas.
Mas e os royalties devidos a um dos maiores expoentes dos Novos Baianos, ao renomado cineasta espanhol e até para família do fundador da gigante Apple? Não seriam devidos tais royalties por você a eles, pela utilização das respectivas mídias pré-existentes, no seu trabalho?
E mais. Admita que, inicialmente divulgada no seu blog, uma rede de televisão descobriu e adquiriu sua obra, para veicular num comercial próprio, com divulgação nacional. Você receberá uma excelente remuneração pelo trabalho. Não seria justo você receber e não pagar (royalties). Seria? É uma pergunta com duas respostas, basicamente, sim ou não.
As posições mais radicais, de não pagamento e só recebimento (se for o caso), esbarram no direito de proteção conferido pela lei à obra intelectual, ainda que não perpétuo, eis que sujeito ao domínio público, após decurso do prazo estabelecido na mesma lei. A atual legislação deve mudar, então.
A opção por pagar, e também receber, é mais adequada e correta, mas de difícil, senão impossível, implementação (a legislação atual não prevê essas relações jurídicas), haja vista a quantidade das obras produzidas e veiculadas, com variações e conteúdos sem limites para a mente humana, tornando impraticáveis a fiscalização e cobrança dos royalties, apenas pela mera veiculação da nova obra. Então, a legislação também deve mudar. Obviamente não para tentar fiscalizar a utilização das obras protegidas, mas, sim, para identificar a existência de eventual benefício econômico para o autor da nova obra, que, por sua vez, valeu-se daquelas mídias anteriores, sob a proteção do direito autoral. Sobre tais frutos, se efetivamente recebidos, o (re)criador deveria pagar uma parcela do valor auferido ao autor da obra anterior, da qual se utilizou para produzir a sua.
Por outro lado, os produtores, as gravadoras e os próprios artistas são contrários à flexibilização do direito autoral, exatamente porque são os seus detentores. Contudo, ante a forma e extensão das violações, como hoje em dia ocorrem, em pouco tempo, caso nada seja feito, o direito autoral sucumbirá por completo às modificações da sociedade, tornando-se uma lei sem eficácia, portanto, inócua.
Conclui-se, assim, que a legislação do copyright deve sofrer, em breve e de toda forma, uma radical modificação, não para extingui-lo, mas para adequá-lo à realidade atual, necessariamente diminuindo os prazos de proteção das obras e criando uma forma eficaz para fiscalizar sua utilização nas novas mídias, desde que produzido algum resultado econômico.
Flávio Augusto Cicivizzo, advogado sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, especialista em direito civil e comercial.