Ainda com resquícios da inebriante onda de otimismo e esperança que se abateu sobre a maioria dos brasileiros desde o final de outubro, começo a sentir o gosto amargo das primeiras decepções com o prematuro governo de Luís Inácio Lula da Silva.
Pilotar a máquina do governo é infinitamente mais complicado do que atirar pedras, e é natural que concessões sejam feitas em nome da tal “governabilidade” – afinal, num regime democrático, qualquer ação do governo precisa ser aprovada pela maioria no Congresso. Por isso até dá para entender a escolha de nomes “palatáveis” ao mercado e aos potenciais aliados para preencher o primeiro escalão do governo Lula, como Henrique Meirelles e Luiz Fernando Furlan.
Da mesma forma, é compreensível a negociação (ou o loteamento) dos cargos entre os partidos que venham a compor a “base aliada”, desde que amparada por critérios éticos. E, com um pouco de boa vontade, até dá para deglutir as afirmações de Antônio Palocci sobre frear a inflação e manter a estabilidade “a qualquer preço” (leia-se novo choque de juros e mais sacrifício fiscal), ou o próprio Lula chamando George W. Bush de “aliado”.
O que não dá para abrir mão é dos chamados “princípios”. Não se trata da birra (legítima) da senadora Heloísa Helena (PT-AL) com o futuro presidente do Banco Central. A manobra que a deixou de fora da sabatina de anteontem foi uma maneira inteligente de permitir à senadora manter-se fiel às suas convicções e demonstrar “unidade partidária” (ainda que artificial).
A grande decepção com o governo embrionário foi a rapidez com que os parlamentares do PT “viraram a casaca” na votação do projeto do foro privilegiado, aquele que vai garantir a presidentes, ministros, governadores, secretários e prefeitos o direito de serem julgados apenas nos tribunais superiores – mesmo depois de terem deixado o cargo. É a legitimação da impunidade, pois a distância, a morosidade e o acúmulo de trabalho nos tribunais superiores tende a emperrar tais processos.
Da parte de Fernando Henrique Cardoso, cuja liderança no Senado apresentou a proposta, foi apenas um golpe de misericórdia na Constituição – que já fora brutalmente violentada na emenda da reeleição. Da parte do PT, foi uma versão atualizada do “esqueçam o que eu escrevi”. O partido sempre se posicionou contra o privilégio, e agora que é seu virtual beneficiário, parece que mudou de idéia.
Diz que é o preço para dilatar um pouco o Orçamento 2003. Mas, para um governo que chegou prometendo mudanças, alguns princípios são inegociáveis. Até para evitar que a prática se banalize, e a chantagem permaneça como a tônica de todas as negociações no Congresso. Lula pode entregar alguns anéis, mas deve começar a tomar cuidado com os dedos.
Luigi Poniwass
é repórter do Almanaque em O Estado