A aplicação da pena é, certamente, a parte da sentença penal condenatória mais corrigida pelos Tribunais, por ocasião dos julgamentos recursais. Esse fato se deve, basicamente, à inobservância – ou ao desconhecimento – de critérios limitadores e garantistas, previstos, principalmente, pela Constituição Federal. São inúmeros os casos em que o decreto condenatório apresenta erros na dosimetria da pena. O maior prejudicado é sempre o condenado: os erros dosimétricos na decisão penal significam, em regra, acréscimo em anos de cumprimento de pena. Esse plus não só aumenta a justa quantidade de pena que deveria ser aplicada, mas, ainda, pode vir a impossibilitar: a fixação de regime prisional menos gravoso; a substituição, prevista no artigo 44, do Código Penal; a concessão de suspensão condicional da pena; ou, até mesmo, a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal. Na execução da pena exageradamente aplicada, maior também será seu tempo de cumprimento efetivo, para a obtenção de progressão de regime, de livramento condicional, de comutação.
A maior concentração de erros, neste tocante, ocorre na primeira etapa do sistema dosimétrico, onde o Juiz prolator da condenação deve analisar, criteriosamente, cada uma das oito circunstâncias judiciais constantes do artigo 59 do Código Penal, individualizando-a para cada réu e para cada infração penal praticada.
Visando a indicar um critério justo de análise dessas circunstâncias judiciais, que possibilite ao acadêmico e ao profissional do Direito conhecer os limites dessa valoração, de forma prática e objetiva, tendo como norte os princípios constitucionais, apresenta-se o presente escrito, sem, contudo, objetivar-se o exaurimento do assunto.
É bem verdade que a lei traz, expressamente, os passos para calcular a reprimenda. Contudo, fica a critério do magistrado estabelecer os critérios de valoração dessas diretrizes. Essa discricionariedade que possui o julgador, no momento do cálculo da pena, poderia até converter-se em arbitrariedade, se não houvesse parâmetros de interpretação e aplicação da lei. Felizmente, a Constituição Federal não se omitiu de trazê-los.
Do Sistema Trifásico
A aplicação da pena pelo Juiz ocorre, conforme determina o art. 68, do Código Penal (a partir de sua reforma, em 1984), em três etapas.
Na primeira delas, avaliam-se as circunstâncias chamadas “judiciais”, constantes do caput, do artigo 59, do Código Penal: culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do sentenciado; motivos, circunstâncias e conseqüências da infração penal; e, ainda, comportamento da vítima. Fixa-se, assim, com alicerce nessa apreciação, a pena-base, que servirá de ponto de partida para a próxima fase.
Por ocasião da segunda etapa, o Juiz aumenta ou diminui a pena-base, conforme exista, in casu, alguma(s) circunstância(s) agravante(s), prevista(s) nos artigos 61 e 62 do Código Penal, ou atenuante(s), prenunciada(s) nos artigos 65 e 66 do mesmo codex, chegando, dessa forma, a uma pena provisória.
Finalmente, na terceira fase dosimétrica, partindo o Magistrado dessa pena provisória, aumenta-a ou a diminui, de acordo com a constatação da ocorrência de causa(s) especial(is) de aumento ou de diminuição da pena, previstas em diversos dispositivos da Parte Geral do Código Penal, e, ainda, nos próprios tipos penais. Determina, assim, a pena definitiva a ser cumprida pelo condenado.
Levando-se em conta que, no caso concreto, pode não haver circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem causas especiais de aumento ou de diminuição; mas, que, em todas as sentenças penais condenatórias, sem exceções, haverá que se analisar cada uma das oito circunstâncias judiciais (sob pena de nulidade da decisão), urge estabelecer quais os melhores critérios para examiná-las e, por conseguinte, obter-se a pena-base da forma mais justa possível.
Da Fixação da Pena-Base
Constam expressamente do artigo 59 do CP (ao qual remete o artigo 68, caput, do mesmo diploma legal) as diretrizes para a fixação da chamada pena-base: “O Juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;”
Assim, verificando o julgador que as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP são todas favoráveis ao agente, deve fixar a pena-base no mínimo legal, já que o próprio dispositivo em comento, em seu inciso II, enfatiza os limites da pena-base, dentro dos parâmetros legais. Dessa forma, à cada circunstância judicial valorada desfavoravelmente ao condenado, o magistrado acrescenta um quantum ao mínimo cominado no tipo penal, sem extrapolar, jamais, a pena máxima prevista para a infração.
A questão que se pretende solucionar é: quais critérios pode (e quais não pode) o Juiz utilizar para bem valorar uma circunstância judicial como desfavorável ou favorável ao agente, no caso concreto? É o que se buscará, sem divagações históricas, responder nas próximas publicações, com fundamento em doutrina e jurisprudência; e, sempre, sob a ótica constitucional.
Juliana de Andrade Colle
é advogada criminalista, professora de Direito Penal na Faculdade de Direito de Curitiba e no Curso Jurídico.