(art. 59, do CP) na Dosimetria da Pena
Dando seqüência aos últimos artigos, passa-se a abordar a oitava e última circunstância analisada pelo Juiz na fixação da pena-base:
Do comportamento da vítima
Inovação trazida com a Reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984, esta circunstância judicial reafirma a crescente importância da vitimologia no Direito Penal atual.
Na valoração da última circunstância judicial “é preciso perquirir em que medida a vítima, com a sua atuação, contribuiu para a ação delituosa. Muito embora o crime não possa de modo algum ser justificado, não há dúvida de que em alguns casos a vítima, com o seu agir, contribui ou facilita o agir criminoso, devendo essa circunstância refletir favoravelmente ao agente na dosimetria da pena”.
Quando a vítima instiga, provoca, desafia ou facilita a conduta delitiva do agente, diz-se, portanto, que a oitava circunstância judicial está favorável ao réu. Nesses casos, a vítima teve participação efetiva na culpabilidade do autor, posto que enfraqueceu a sua determinação de agir conforme o Direito. Logo, por conseqüência, merece o agente, nessa situação, uma censura penal mais branda do que a que lhe caberia nos casos de ausência total de provocação da vítima.
Nos crimes patrimoniais, por exemplo, tem diminuída a sua capacidade de se comportar de acordo com o ordenamento jurídico o agente que pratica furto de veículo, cujo proprietário adentrou a um estabelecimento comercial próximo para fazer compras, deixando seu carro estacionado em via pública, com as janelas abertas, as portas destravadas e a chave na ignição, numa região onde isso não costuma ocorrer. A censurabilidade, portanto, de sua conduta é menor do que a do ladrão que premedita o furto de um automóvel.
Fernando Galvão assevera que “juridicamente, não se pode reprovar a conduta do proprietário que deixa a porta de sua casa aberta” e que, no entanto, quando este comportamento da vítima resultar em estímulo à prática da infração, deve ser sopesado para minorar a resposta penal ao autor do fato.
Nos crimes contra os costumes, por sua vez, conforme leciona o Professor Túlio Lima Vianna, não será considerado favorável ao agente o comportamento da vítima pela “mera roupa provocante com a qual desfila a moça em local ermo, pois ninguém é obrigado a trajar-se com recato”. Por outro lado, a moça que aceita ir ao motel com um rapaz e lá, desiste da relação no último momento, certamente contribui para a prática do estupro, concluindo o autor que: “a clara diferença entre os dois comportamentos das vítimas está na absoluta passividade do primeiro e na atividade do segundo”. Aliás, o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes mereceu expressa referência na Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal (item 50).
Desse modo, quando o comportamento da vítima contribuiu para a prática do delito, esta circunstância será valorada, pelo Juiz, a favor do condenado. Ao revés, se não contribuiu, lhe será desfavorável.
Contudo, deve o Magistrado ficar atento, pois há espécies de delitos em que, por sua natureza, a vítima nunca poderá provocar o agente, e, nesses casos, deve ser ignorada essa circunstância judicial para fins de recrudescimento da pena.
Exemplo disso ocorre nos delitos de sonegação fiscal e de uso de substância entorpecente, onde a vítima (Fazenda Pública e coletividade, respectivamente) não tem qualquer possibilidade fática de provocar ou facilitar a conduta do agente.
Finalmente, há que se observar que provocação da vítima não se confunde com agressão. A agressão da vítima, na maioria das vezes, poderá gerar situação de legítima defesa, o que ocasionará a exclusão da ilicitude, sem que se chegue, portanto, à aplicação de uma pena.
Haverá casos, ainda, em que a injusta provocação da vítima caracterizará causa de diminuição de pena, a ser sopesada somente na terceira etapa da dosimetria, como ocorre no homicídio (art. 121, §1º, do CP) e nas lesões corporais (art. 129, §4.º, do CP).
Notas:
1 TRF da 4.ª Região, 2.ª Turma, Apelação Criminal n.º 9404572004/RS, Rel. Juíza Federal Tânia Terezinha Cardoso Escobar, DJU 30/04/1997.
2 José Paganella Boschi, Das Penas e Seus Critérios de Aplicação, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 224.
3 Fernando Galvão, Aplicação da Pena, Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p.157.
4 Túlio Lima Vianna. Roteiro didático de fixação das penas. Jus Navegandi, Teresina, a.7, n.º 62, fev. 2003. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3733.
Juliana de Andrade Colle
é advogada criminalista, professora de Direito Penal na Faculdade de Direito de Curitiba e no Curso Jurídico (julianacolle@onda.com.br)