Crise argentina

A presidente Cristina Kirchner enfrenta uma crise séria na vizinha Argentina, por coincidência tendo como oponente uma fração do empresariado, no caso, o patronato rural. Por enquanto a crise não teve repercussões desastrosas e, esperamos que não tenha, por ventura derivadas da virtual prisão de dirigentes rurais renitentes em aceitar o mando governista, mesmo que para efeito de raciocínio esse tenha sido em algum momento dos últimos quatro meses, o desejo secreto de conselheiros bem postados na Casa Rosada. Aliás, seguindo o raciocínio e a julgar pelo visível, mas ainda represado tom de beligerância das manifestações organizadas tanto pelo patronato rural quanto pela massa de manobra do governo, hoje comandada pelo ex-presidente Néstor Kirchner, seria temerário formular juízos de valor sobre as hipotéticas conseqüências do aprisionamento de líderes dos quatro grandes blocos que falam em nome da agropecuária.

Talvez se pudesse afirmar que a Argentina ingressasse em nova situação caótica, à semelhança das inúmeras que tem vivenciado nas últimas décadas. O contexto da crise foi espicaçado na madrugada de quinta-feira, quando o Senado rejeitou por apenas um voto dado pelo vice-presidente da República, o radical Julio Cobos, que segundo prescreve a Constituição é também presidente da Câmara Alta. Depois de 18 horas de debates acalorados entre governo e oposição a votação teve início e chegou empatada até a madrugada (36 a 36) quando Cobos votou contra a proposta governamental de aumentar os impostos sobre as exportações de soja, trigo e carne, principais produtos negociados pela Argentina no mercado externo.

Com o produto da arrecadação a mais proveniente do sistema de retenções de valores cobrados sobre a exportação agrícola, o governo prometeu à população recursos para a construção de casas populares, hospitais, estradas rurais e o fortalecimento da agricultura familiar.

O governo estava confiante na vitória depois de quatro meses de enfrentamento com o setor rural, mesmo porque a solução consensual foi transferir o imbróglio para o Congresso Nacional, onde se imaginava que os ânimos iriam serenar e os lados em conflito teriam suas razões e argumentos devidamente analisados e compensados. Não foi o que aconteceu na prática, porquanto acabou ocorrendo o que os analistas políticos do país vizinho prognosticavam nas últimas semanas, insistindo que a fragmentação dos vários segmentos do peronismo, onde se localiza a maior facção da base parlamentar da presidente Cristina Kirchner, poderia trazer um resultado funesto.

A dificuldade do governo para aprovar a proposta de aumento de impostos na Câmara foi igual, pois a matéria passou apenas por sete votos de diferença. Logo correram insinuações de que a situação havia ?comprado? alguns deputados. A histórica sessão do Senado, marcando o primeiro grande revés político de Cristina, ocorreu sob o impacto de imensas manifestações populares a favor e contra a elevação da carga tributária. O ressentimento da população de média e baixa renda recrudesceu com os locautes no abastecimento de gêneros alimentícios nos maiores centros urbanos e bloqueio de rodovias por iniciativa das entidades de produtores rurais. Por sua vez, os formuladores da política presidencial procuraram contabilizar efeitos benéficos para Cristina, muito embora não tivessem logrado evitar que seus índices de popularidade começassem a sofrer perigoso declínio.

Um reflexo da crise está no voto de Minerva do vice-presidente Julio Cobos que garantiu a vitória dos ruralistas, mas escancarou a fissura entre ele e a presidente, situação que poderá gerar perdas ainda mais significativas para a atual administração. Nesse sentido, pesquisa recente revelou que para 88% dos argentinos a crise não seria solucionada qualquer que fosse o resultado no Senado. O desafio de Cristina é concretizar um abrangente pacto social para festejar o bicentenário da independência em 2010. 

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