Responsável pelo superávit da balança comercial brasileira, o setor do agronegócio enfrentou, no entanto, uma das piores crises em 2005. Fatores conjunturais como sobrevalorização do real, dificuldade de acesso ao crédito e aumento dos custos da produção aliados a efeitos climáticos e problemas sanitários e fitossanitários agravaram a situação de perda de renda, produção e de produtividade do setor. É o que revela consulta do Projeto Conhecer da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) realizada com 4.295 produtores em outubro. Somente 5% dos entrevistados conseguiram o montante de crédito necessário a juros de 8,75% ao ano, e 67% afirmaram que vão reduzir a área plantada e ou seu rebanho. A grande maioria dos consultados, mais precisamente 84%, informou que vai alterar o planejamento futuro de seus negócios.
O presidente da CNA, Antônio Ernesto de Salvo, foi taxativo ao fazer uma análise do ano que está terminando: ?O ano de 2005 é absolutamente trágico?. Ernesto de Salvo lembra, porém, que a crise não atingiu indistintamente todos os segmentos. Parte da agropecuária enfrenta problemas graves, como grãos. Mas há outra parte que tem sucesso, o que envolve, entre outros segmentos, o café e a cana-de-açúcar. O presidente da CNA cita problemas como a forte queda da produção de grãos, em cerca de 20 milhões de toneladas; a queda do preço pago pelo boi gordo ao pecuarista, apesar do aumento das exportações; a inadimplência crescente.
Os dados apurados pela consulta realizada pela CNA reforçam que o ritmo de crescimento do setor nos próximos anos está comprometido. Neste ano, já há sinais de desaceleração da atividade. O Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária cairá de R$ 160,65 bilhões registrados em 2004, para R$ 143,42 bilhões, em 2005, o equivalente a uma queda de 10,73%. Outras informações detectadas durante a consulta indicam que apenas 22% dos produtores afirmaram que vão manter o nível de tecnologia aplicada, 38% vão diminuir um pouco e 40% afirmaram que vão reduzir significativamente os investimentos em tecnologia, o que poderá provocar não apenas queda de produtividade e qualidade, mas também redução das safras futuras.
?Mas o pior é a insensibilidade do poder público, que demora para apresentar alternativas de solução e não leva em consideração as características do setor. Não adianta liberar recursos para custeio depois que o produtor já perdeu a época para plantar. Quando isso acontece, como aconteceu, o prejuízo é certo?, diz o presidente da CNA. O descontentamento dos produtores ganhou voz no final de junho, quando mais de 20 mil produtores rurais ocuparam a Esplanada dos Ministérios, realizando o tratoraço O Alerta do Campo. Da pauta de reivindicações do tratoraço, no entanto, poucos pontos foram atendidos, e os poucos pleitos aceitos foram implantados com atraso, tornando-se inócuos.
Neste ano, a CNA, por meio do Projeto Conhecer, realizou oito consultas com a classe produtora, recebeu 17.875 respostas de todo o País, com o objetivo de aprofundar temas relacionados ao perfil do setor e colher subsídios para a definição de políticas vitais ao crescimento da agropecuária brasileira. Na última consulta realizada em novembro, sobre os efeitos da febre aftosa, foi reforçado o movimento de descapitalização do homem do campo: dos 3.681 pecuaristas consultados, 95%, declararam que tiveram perda de renda na atividade neste ano na comparação com 2004. Houve queda de preço de venda do produto e aumento dos custos dos insumos.
O presidente da CNA alerta que, ano após ano, os sucessivos governos não se conscientizaram das características intrínsecas da atividade agropecuária. O desempenho do setor rural depende de fatores comuns a todas as atividades produtivas, como a política de juros, o volume de crédito disponível e as variações internas e externas de demanda. Mas a agropecuária tem como característica única a de sofrer a influência de muitos outros fatores que não atingem outras atividades produtivas. O setor rural está sujeito aos efeitos das adversidades climáticas. Chuvas em excesso, estiagens não esperadas, o surgimento de problemas fitossanitários afetam direta e negativamente os resultados de colheita.
Além de estar sujeito à variação do clima, até hoje o produtor rural não conta com um sistema de seguro agrícola eficiente, que pudesse contornar problemas sazonais, como as adversidades climáticas que reduzem a produção. Estima-se que o seguro agrícola ofereça cobertura para menos de 2% da produção agropecuária nacional. Quando ao restante, o risco por eventuais perdas é assumido diretamente pelo produtor. ?O ministro da Fazenda, seja ele quem for, tem que tratar a agricultura de forma diferenciada, com orçamentos compatíveis. A solução é o agricultor ter renda. Quando não tiver renda, precisa de apoio público. É preciso essa conscientização?, diz o presidente da CNA.
