Conseqüências da dificuldade financeira absoluta e relativa (final)
Neste caso a valoração quanto a ser o estado de necessidade absoluto ou relativo, centra-se unicamente na qualidade da prova. Quanto mais robusta a prova a indicar que a empresa passava por dificuldades financeiras, mais próximo fica do estado de necessidade absoluto. Em contrapartida, quanto mais frágil for a prova deste fato, mais fica próximo do estado de necessidade relativo.
Da sua incidência no caso de conceituarmos a dificuldade financeira como causa de inexigibilidade de conduta diversa.
Pelas mesmas razões antes postas, no caso de conceituarmos que a dificuldade financeira configura causa de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, ainda assim incide a regra do artigo 24, § 2.º, atrás citado.
Na hipótese ora em estudo também podemos conceituar de inexigibilidade de conduta diversa absoluta e relativa, tal qual fizemos quando enfrentamos esta questão considerando a possibilidade de ser conceituada na condição de estado de necessidade.
Tomando os mesmos exemplos atrás postos, quando consideramos que não era razoável exigir que o empresário tivesse conduta diversa da que teve, não recolhendo as contribuições sociais descontadas dos empregados, estaremos diante de inexigibilidade de conduta diversa absoluta. Já no caso de se concluir que era razoável que o empresário sacrificasse os outros credores, tendo ele feito, em tese, a opção menos correta, ao juízo do interprete, estaremos diante da inexigibilidade de conduta diversa relativa.
O que não se pode, e isso é o que verificamos ocorrer no dia a dia, são julgados reconhecendo que a empresa passou por dificuldade financeira, mas que, simplesmente porque a opção do empresário ao escolher o credor que deveria pagar, e que ao juízo do interprete não foi a melhor, apenas por isso não faça jus a qualquer benefício contemplado pelo direito penal.
Pensamos que a melhor interpretação do artigo 24, § 2.º, do Código Penal, seja de que se cuida, não de exclusão de ilicitude, mas sim de exclusão de culpabilidade, até porque excluída a ilicitude não existe crime a ter a reprimenda mitigada. Assim, para os casos de crimes fiscais perpetrados sob o manto da dificuldade financeira da empresa, estamos diante de causa de inexigibilidade de conduta diversa. Sendo ela absoluta, importa em absolvição do agente. No caso em que seja apenas razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, que no caso em estudo seria o não recolhimento do tributo ao agente arrecadador, preferindo outros credores, em tese, menos necessitados, estaremos diante da inexigibilidade relativa de conduta.
Da atual conjuntura
Temos observado que na prática quando a empresa passa por dificuldades financeiras, para as modalidades de ilícitos fiscais ora em estudo, são conferidos apenas dois tratamentos. Ou se absolve o acusado, sempre porque se conclui que restou provado por ele que a empresa passava por dificuldade financeira, ou o condena, sem qualquer benefício, ainda que existam provas razoáveis a indicar que a empresa passava por entraves financeiros.
Não encontramos a aplicação da regra de mitigação da pena ora em comento, nem nos julgados, e nem defesas desta tese por aqueles que escrevem sobre crimes fiscais.
Apesar da omissão quanto a aplicação e estudo desta matéria por quem de dever (doutrina e jurisprudência), pensamos que a incidência de dita causa de diminuição de pena para os crimes fiscais em estudo, não se cuida de algo exagerado, porquanto, uma vez verificado que a empresa passava por dificuldades financeiras no período em que deixou de recolher os valores retidos ou descontados a título de tributo, esta circunstância deve merecer valoração do direito penal.
O que não se pode é conferir o mesmo tratamento ao empresário que deixa de repassar ditas tributos com a finalidade, v.g., de garantir a retirada de seu pro labore, aumentar o capital social da empresa, renovar a frota de carros ou equipamentos, etc., em relação àquele que, bem ou mal, fez uma opção entre quem dentre os credores receberia seus créditos.
A questão de preferir este ou aquele em detrimento de outros é matéria subjetiva, a qual somente quem vive a realidade do momento dos fatos poderá efetivamente mensurar o porquê da opção, daí ser muito particular aferir o acerto ou erro na escolha.
Por isso pensamos que a atual sistemática adotada sobre esta questão, com a devida vênia, não é a mais justa.
É necessário que seja dado tratamento diferenciado aos desiguais, não sendo razoável que o empresário que optou por este ou aquela pagamento em detrimento do fisco, mas que não tinha capital para saltar todas as dividas, não receba qualquer beneplácito do direito penal.
Justamente ai, ao nosso ver, há necessidade de conferir tratamento diferenciado aos empresários, em razão da culpabilidade da conduta de cada um. Tomemos novamente os exemplos atrás citados dos empresários, onde um deixa de recolher o tributo descontado para garantir o seu pro labore ou renovar a frota de veículos, e outro porque preferiu o pagamento dos salários dos empregados, ou de fornecedores de matéria prima, em detrimento do fisco. Não é razoável, lógico, justo ou racional conferir o mesmo tratamento aos dois hipotéticos empresários.
É óbvio que a culpabilidade de cada um dos empresários postos nestes exemplos não é a mesma, não sendo por isso razoável que mereçam o mesmo tratamento no momento da aplicação da pena.
De outra feita, também é inquestionável que a mitigação da reprimenda prevista no artigo 24, § 2.º., do Código Penal, está relacionada diretamente com a culpabilidade do agente.
Também é certo que o citado dispositivo prevê a incidência desta causa de diminuição da pena, quando seja razoável exigir do agente conduta diversa.
Por isso, quando não reconhecida a inexigibilidade de conduta diversa plena, ou estado de necessidade completo, havendo comprovação de qualquer circunstância a indicar que não era razoável exigir-se do empresário outra conduta, quando ele agiu, v.g., bem intencionado, visando proteger outro direito ameaçado, efetuando pagamento de outros credores, etc., sem sombra de dúvidas que sua culpabilidade deve ser considerada em grau menor em relação à normal, merecendo ser valorada no momento da fixação da reprimenda penal.
Ao nosso ver, não há como dissociar a previsão do dispositivo em estudo com as dificuldades financeiras da empresa, quando não reconhecida a sua insolvência completa, para fins dos delitos ora em estudo, porquanto, trata-se de causa relevante para o direito penal, e como tal não pode ficar a margem dos fundamentos de uma sentença condenatória em casos tais.
Desta feita, somente restará respeitado o princípio da isonomia, nos casos de delitos fiscais em que se debate e se comprova de alguma forma a dificuldade financeira da empresa, caso sejam aferidos os vetores que norteiam a causa mitigadora da pena prevista no artigo 24, § 2.º., do Código Penal, quando não for o caso de absolvição.
Do quantum de mitigação da pena
O dispositivo legal em estudo prevê a aplicação de diminuição da pena, de um terço a dois terços, havendo necessidade de ser aferido um critério, para ser aplicado o benefício, devendo ficar fundamentadamente consignada a razão desta maior ou menor mitigação da reprimenda, em atendimento à previsão constitucional no sentido de que toda decisão judicial ou administrativa deve ser motivada.
Para os delitos em questão, pensamos que o critério mais justo seja, no caso de se tratar de reconhecimento de dificuldade financeira, quanto maior for ela, mais deve se aproximar do máximo de diminuição, quanto menor, mais do mínimo de diminuição.
Já no caso de se reconhecer esta circunstância em razão da fragilidade da prova produzida pelo acusado, quanto maior for a prova da dificuldade financeira da empresa, maior deve ser a fração de mitigação da pena, quanto menor, menor a diminuição da reprimenda.
Por óbvio que esta não é uma proposição absoluta, porquanto, certamente surgirão outras, possivelmente até mesmo com consistência maior que as ora posta, servindo esta sugestão apenas para facilitar a compreensão do tema e conclamar os estudiosos para a necessidade de reflexão e debate sobre esta matéria.
É importante observar que esta causa de diminuição de pena, por cuidar-se de matéria de ordem pública, incide em todos os delitos em questão, ainda que com decisão condenatória já transitada em julgado, cujo instrumento legal para vê-la reconhecida pode ser o habeas corpus ou a revisão criminal.
Conclusão
Desta superficial abordagem fica demonstrado que a dificuldade financeira da empresa deve ser aplicada, tanto para absolver quanto para diminuir a pena aplicada aos empresários acusados de delitos fiscais, seja reconhecendo estado de necessidade absoluto ou inexigibilidade de conduta diversa absoluta, seja aplicando a causa de diminuição da reprimenda, nos termos do artigo 24, § 2.º, do Código Penal, cujo instituto pode ser denominado de estado de necessidade relativo ou inexigibilidade de conduta diversa também relativa, mitigando-se, sempre, a pena, quando não restar comprovado que a dificuldade financeira da empresa era absoluta, ou a prova desta fato é frágil para demonstrar a dificuldade absoluta.
Jorge Vicente Silva é advogado, professor de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, pós-graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, ?Tóxicos -Análise da nova lei?, ?Manual da Sentença Penal Condenatória?, e no prelo ?Crime Fiscal – Manual Prático?.
E-mail: jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br; advocacia@jorgevicentesilva.com.br,
Site jorgevicentesilva.com.br