Durante mais de vinte anos, contados a partir do julgamento da Ação Penal n.º 212, em 17/11/71 (RTJ 59/629) até o HC n.º 70.218, julgado em 1/6/93 (DJU 6/8/93), o STF sustentou que o prefeito municipal seria processado de acordo com o Dec.-Lei 201/67, somente enquanto permanecesse no exercício do mandato. Após haver deixado a função, responderia pelos crimes contra a administração pública, regidos pelo Código Penal e na forma do processo comum.
Entrementes, sem prejuízo dessa tese principal, o STF passou gradualmente a admitir que, instaurada contra o prefeito, a ação penal prosseguiria, ainda após o termo do mandato (HC n.º 52.908, julgado em 11/11/74 até o HC n.º 69.915, julgado em 7/3/93 (DJU 8/4/94).
Essa jurisprudência sofreu modificação no leading case versado no HC n.º 70.671 – PI (Pleno do STF – Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13/4/94 – RTJ 159/152). Daí em diante, o STF alterou a orientação acerca da matéria, estabelecendo que a ação penal suscitada por crime tipificado no art. 1.º do Dec.lei 201/67 poderia ser instaurada a despeito do mandato haver cessado.
Para corrigir aquele rumo, o STF viu-se obrigado a reinterpretar as categorias sancionatórias disciplinadas pelo indigitado Decreto-Lei.
O resultado dessa profunda mudança de rumo na jurisprudência, importou na redefinição dos crimes tipificados no art. 1.º como crimes comuns, postos na lei sob o rótulo de crimes de responsabilidade, e as infrações descritas no art. 4.º, como crimes de responsabilidade, denominadas originariamente de infrações político-administrativas. Assim, o Poder Judiciário julga os crimes comuns e a Câmara Municipal se incumbe dos crimes de responsabilidade.
Eis a ementa do acórdão referente ao leading case: “I – os crimes denominados de responsabilidade, tipificados no art. 1.º do D. L. 201, de 21967, são crimes comuns, que deverão ser julgados pelo Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores (art. 1.º), são de ação pública e punidos com a pena de reclusão de detenção (art. 1.º, § 1.º) e o processo é o comum, do CPP, com pequenas modificações (art. 2.º). No art. 4.º, o D. L. 201, de 1967, cuida das infrações político-administrativas dos prefeitos, sujeitos ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato. Essas infrações é que podem, na tradição do direito brasileiro, ser denominadas de crimes de responsabilidade”.(HC n.º 70.671 – PI – Pleno do STJ – j. 23/4/94 – Rel. Min. Carlos Velloso – RTJ 159/152)
Da referida revisão da jurisprudência até o presente, esta nova conceituação das categorias sancionatórias permaneceu inalterada. (RHC n.º 70.499 – RS – 2.ª T., j. 13/9/94 – Rel. Min. Francisco Rezek – RTJ 156/541; HC n.º 71.390 – RO – 2.ª T, j. 21/2/95, – Rel. Min. Maurício Corrêa – RTJ 157/178; HC n.º 71.474 – BA – 1.ª T., J. 8.11.94 – Rel Min. Ilmar Galvão – RTJ 160/550; HC n.º 71.699 – Rel. Min. Carlos Velloso – DJ 2/2/96, p. 850, cit. na RTJ 170/512; HC n.º 73.210 – PA – 2.ª T., j. 32/10/95 – Rel. Maurício Corrêa – RTJ 159/632 – V. 159/98 – 169/153 – 160/600 – 160/668 – 162/370 – 170/512 – 173/880).
Ficou estabelecido também que os “crimes comuns abrangem todas as modalidades de infrações penais (RTJ 33/950), alcançando, até mesmo, as próprias contravenções penais (RTJ 91/423) e estendendo-se aos delitos eleitorais (RTJ 63/1 – RTJ 148/689 – RTJ 150/688)ª. (despacho proferido pelo Ministro Celso de Mello no Inquérito n.º 1.015-X – DF, DJU de 30.9.96, p. 36528). Outras decisões semelhantes estão publicadas nas RTJ 148/32, 151/402 e 168/668.
Convém esclarecer que, no caso, ao empregar a expressão “crimes comunsª, o STF confundiu o alcance normativo desse diploma penal com as matérias sujeitas à jurisdição especial, ou foro estabelecido em razão das prerrogativas da função. O esclarecimento se impõe pela singela razão de que todas as pessoas, e não só os prefeitos, são passíveis da prática de crimes comuns (homicídio etc.). O que o STF deveria frisar, e não o fez, é que o art. 1.º do Dec.-Lei 201/67 define crimes funcionais próprios, da mesma forma que o Código Penal (arts. 312 a 359) e a vasta e difusa legislação comum (Estatuto das Licitações, Lei de Responsabilidade Fiscal etc.) pautam acerca dos crimes contra a administração pública. Crimes próprios, não é demais repetir, são aqueles que só podem ser cometidos por quem exerça função pública.
A realçada inflexão jurisprudencial produziu efeitos ainda não enfrentados pelo STF.
Uma relevante conseqüência é aquela que ofende a igualdade dos chefes de Poder Executivo das três esferas federadas da República: o presidente, o governador e o prefeito. De fato, se o art. 1.º do Dec.-Lei 201/67 define crimes comuns exclusivamente aos prefeitos, resta vulnerado o princípio constitucional da isonomia (art. 5.º caput da CF/88). A exceção, desfavorável unicamente ao prefeito, é arbitrária à medida em que, entre os nominados agentes políticos, nenhum fator os diferencia.
Dita igualdade aliás restou proclamada, pelo Plenário do STF, em acórdão no qual se lê: “O presidente da República, os governadores e os prefeitos igualam-se no que se mostram merecedores do status de Chefes de Poder Executivo. A amplitude maior ou menor das respectivas áreas de atuação não é de molde ao agasalho de qualquer distinção quanto ao Órgão competente para julgar as contas que devem prestar, sendo certa a existência de Poderes Legislativos específicos”. (RE n.º 132.747 – DF – RTJ 157/99).
Enquanto o presidente e o governador sujeitam-se apenas aos chamados crimes definidos no Código Penal e leis extravagantes, o prefeito submete-se a esses e, também, aos crimes catalogados no art. 1.º do Dec.-Lei 201/67. Nem se afirme que este dispositivo limita-se a repetir os crimes contra a administração pública, ou crimes próprios, arrolados pelo Código Penal. Quem proceder a uma comparação analítica entre ambos os diplomas penais, verificará que o Dec.-Lei 201/67 acrescentou delitos não previstos no Código Penal. Há mais de um exemplo demonstrativo da maior amplitude do art. 1.º do Dec.-Lei 201/67. Basta indicar o peculato de uso, com pena de dois a doze anos de reclusão, art. 1.º, II, e a desobediência à ordem judicial, art. 1.º, XIV, inexistentes no Código Penal.
Inexplicavelmente, o Ministro Paulo Brossard ousou justificar a disparidade aduzindo que o Dec.-Lei 201/67 visou aperfeiçoar a punição de prefeito (RTJ 156/176). Por que só o prefeito?
Alheio à perversa dualidade de regime punitivo, infligida ao prefeito municipal, o STF a coonesta mediante decisões do seguinte teor: “Se a conduta imputada ao prefeito não é tipificada no Dec.Lei 201/67, mas o é no Código Penal, ele será processado com base neste, sem caracterizar o “non bis in idem”. (HC n.º 74.171 – T – Rel. Min. Moreira Alves – RTJ 162/370).
Outra antinomia tem origem na definição do mesmo fato como crime de responsabilidade para o presidente da República, e como crime comum para o prefeito municipal, pelo Dec.-Lei 201/67
Exemplifica-se com o inc. V do art. 1.º do Dec.-Lei 201/67 e pelo art. 11, 1, da Lei l.079/50. Ambos os dispositivos proíbem ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes. A redação, assemelhada à do art. 315 do Código Penal, é também análoga à do art. 11, 1, da Lei n.º 1079/50. O mesmo se passa com os incisos VI e VII do Dec.-Lei 201/67 e o art. 11, 1, da Lei 1079/50; o inc. VIII do Dec.-Lei 201/67 e o art. 11, 3 da Lei 1079/50; o inc. X, do Dec.-Lei 201/67 e o art. 11, 4 da Lei 1079/50; o inc. XIII, do Dec.-Lei 201/67 e o art. 9.º, 5, da Lei 1079/50; o inc. XIV, do Dec.-Lei 201/67 e o art. 8.º, 7 e o art. 12, 2 da Lei l.079/50. Tirante as pequenas diferenças de redação, o comando central dos preceitos contrastados descreve o mesmo bem jurídico posto sob a proteção daquelas normas.
Dessa coincidência normativa, é imperioso inferir-se que a expressiva maioria do crimes comuns, capitulados no art. 1º do Dec.-Lei 201/67, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, está concebida como crime de responsabilidade pela Lei 1079/50, sujeito ao julgamento do Poder Legislativo. O mesmo fato, lá, é crime comum; cá, é responsabilidade político-administrativa ou crime de responsabilidade.
Tendo sido os diplomas legais editados pela mesma instância legiferante, a União Federal, com o intuito manifesto de definir crimes de responsabilidade, a interpretação dos delitos do art. 1.º do Dec.-Lei 201/67, como crimes comuns, afronta a letra e a substância deste ordenamento.
Ademais, frente à dupla regência legal do mesmo fato, o intérprete há de curvar-se ao princípio da lei mais benigna, remetendo o respectivo julgamento ao Poder Judiciário (foro especial por prerrogativa de função – art. 29, X, CF/88), ao invés de submetê-lo ao juízo político da Câmara de Vereadores (art. 4.º do Dec.-Lei 201/67), pois esta quando instaura processo de cassação do mandato do prefeito é porque logrou construir suficiente maioria parlamentar a ele adversa.
Ainda outro desdobramento da nova orientação do STF está em que ela põe fim a antigo dissídio doutrinário, travado entre os que atribuíam natureza criminal ao crime de responsabilidade e os que o reputavam infração de cunho político.
Porém, se o crime de responsabilidade ou infração político-administrativa, tal e qual se exprime o art. 4.º do Dec.-Lei 201/67, tem natureza criminal, para efeito de reconhecer à União a competência legislativa, tais infrações também deveriam ser julgadas pelo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 29, X, da CF/88. É bem de ver que não há norma expressa na Carta Magna incumbindo a União de legislar sobre infrações político-administrativas do prefeito e do governador. A única regra de competência, na matéria, encontra-se no art. 85, parágrafo único, que prevê lei definidora dos crimes de responsabilidade do presidente da República, enunciados genericamente. É, pois, duvidosa a competência da lei editada pela União para delinear as hipóteses de infração político-administrativa do prefeito (Dec.-Lei 201/67, art. 4.º) e do governador (Lei 1079/50, art. 74).
Finalmente, perdem validade as disposições constantes das Leis Orgânicas Municipais definidoras de crimes comuns (sob o título de crimes de responsabilidade), bem assim das infrações político-administrativas e respectivo processo, ainda que traçado na legislação do respectivo Estado-membro. Atingida foi também a jurisprudência dos Tribunais, que durante algum tempo, afirmava a não recepção do art. 4.º do Dec.-Lei 201/67 pela CF/88, inspirada na doutrina de José Afonso da Silva e Tito Costa (RT 669, de 1991, p.11 e p.253).
Sustentou que o prefeito municipal seria processado de acordo com o Dec.-Lei 201/67, somente enquanto permanecesse no exercício do mandato. Após haver deixado a função, responderia pelos crimes contra a administração pública, regidos pelo Código Penal e na forma do processo comum.
Entrementes, sem prejuízo dessa tese principal, o STF passou gradualmente a admitir que, instaurada contra o prefeito, a ação penal prosseguiria, ainda após o termo do mandato (HC n.º 52.908, julgado em 11/11/74 até o HC n.º 69.915, julgado em /0/3/93 (DJU 8/4/94).
Essa jurisprudência sofreu modificação no leading case versado no HC n.º 70.671 – PI (Pleno do STF – Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13/4/94 – RTJ 159/152). Daí em diante, o STF alterou a orientação acerca da matéria, estabelecendo que a ação penal suscitada por crime tipificado no art. 1.º do Dec.lei 201/67 poderia ser instaurada a despeito do mandato haver cessado.
Para corrigir aquele rumo, o STF viu-se obrigado a reinterpretar as categorias sancionatórias disciplinadas pelo indigitado Decreto-Lei.
O resultado dessa profunda mudança de rumo na jurisprudência, importou na redefinição dos crimes tipificados no art. 1.º como crimes comuns, postos na lei sob o rótulo de crimes de responsabilidade, e as infrações descritas no art. 4.º, como crimes de responsabilidade, denominadas originariamente de infrações político-administrativas. Assim, o Poder Judiciário julga os crimes comuns e a Câmara municipal se incumbe dos crimes de responsabilidade.
Eis a ementa do acórdão referente ao leading case: “I – os crimes denominados de responsabilidade, tipificados no art. 1.º do D. L. 201, de 21967, são crimes comuns, que deverão ser julgados pelo Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores (art. 1.º), são de ação pública e punidos com a pena de reclusão de detenção (art. 1.º, § 1.º) e o processo é o comum, do CPP, com pequenas modificações (art. 2º). No art. 4.º, o D. L. 201, de 1967, cuida das infrações político-administrativas dos prefeitos, sujeitos ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato. Essas infrações é que podem, na tradição do direito brasileiro, ser denominadas de crimes de responsabilidade”.(HC n.º 70.671 – PI – Pleno do STJ – j. 23/4/94 – Rel. Min. Carlos Velloso – RTJ 159/152)
Da referida revisão da jurisprudência até o presente, esta nova conceituação das categorias sancionatórias permaneceu inalterada. (RHC n.º 70.499 – RS – 2.ª T., j. 13/9/94 – Rel. Min. Francisco Rezek – RTJ 156/541; HC n.º 71.390 – RO – 2.ª T, j. 21/2/95, – Rel. Min. Maurício Corrêa – RTJ 157/178; HC n.º 71.474 – BA – 1.ª T., J. 8.11.94 – Rel Min. Ilmar Galvão – RTJ 160/550; HC n.º 71.699 – Rel. Min. Carlos Velloso – DJ 2/2/96, p. 850, cit. na RTJ 170/512; HC n.º 73.210 – PA – 2.ª T., j. 32/10/95 – Rel. Maurício Corrêa – RTJ 159/632 – V. 159/98 – 169/153 – 160/600 – 160/668 – 162/370 – 170/512 – 173/880).
Ficou estabelecido também que os “crimes comuns abrangem todas as modalidades de infrações penais (RTJ 33/950), alcançando, até mesmo, as próprias contravenções penais (RTJ 91/423) e estendendo-se aos delitos eleitorais (RTJ 63/1 – RTJ 148/689 – RTJ 150/688)”. (despacho proferido pelo ministro Celso de Mello no Inquérito n.º 1.015-X – DF, DJU de 30.9.96, p. 36528). Outras decisões semelhantes estão publicadas nas RTJ 148/32, 151/402 e 168/668.
Convém esclarecer que, no caso, ao empregar a expressão “crimes comuns”, o STF confundiu o alcance normativo desse diploma penal com as matérias sujeitas à jurisdição especial, ou foro estabelecido em razão das prerrogativas da função. O esclarecimento se impõe pela singela razão de que todas as pessoas, e não só os prefeitos, são passíveis da prática de crimes comuns (homicídio etc.). O que o STF deveria frisar, e não o fez, é que o art. 1.º do Dec.-Lei 201/67 define crimes funcionais próprios, da mesma forma que o Código Penal (arts. 312 a 359) e a vasta e difusa legislação comum (Estatuto das Licitações, Lei de Responsabilidade Fiscal etc.) pautam acerca dos crimes contra a administração pública. Crimes próprios, não é demais repetir, são aqueles que só podem ser cometidos por quem exerça função pública.
A realçada inflexão jurisprudencial produziu efeitos ainda não enfrentados pelo STF.
Uma relevante conseqüência é aquela que ofende a igualdade dos chefes de Poder Executivo das três esferas federadas da República: o presidente, o governador e o prefeito. De fato, se o art. 1.º do Dec.-lei 201/67 define crimes comuns exclusivamente aos prefeitos, resta vulnerado o princípio constitucional da isonomia (art. 5.º caput da CF/88). A exceção, desfavorável unicamente ao prefeito, é arbitrária à medida em que, entre os nominados agentes políticos, nenhum fator os diferencia.
Dita igualdade aliás, restou proclamada, pelo Plenário do STF, em acórdão no qual se lê: “O presidente da República, os governadores e os prefeitos igualam-se no que se mostram merecedores do status de Chefes de Poder Executivo. A amplitude maior ou menor das respectivas áreas de atuação não é de molde ao agasalho de qualquer distinção quanto ao órgão competente para julgar as contas que devem prestar, sendo certa a existência de Poderes Legislativos específicos”. (RE n.º 132.747 – DF – RTJ 157/99).
Enquanto o presidente e o governador sujeitam-se apenas aos chamados crimes definidos no Código Penal e leis extravagantes, o prefeito submete-se a esses e, também, aos crimes catalogados no art. 1.º do Dec.-Lei 201/67. Nem se afirme que este dispositivo limita-se a repetir os crimes contra a administração pública, ou crimes próprios, arrolados pelo Código Penal. Quem proceder a uma comparação analítica entre ambos os diplomas penais, verificará que o Dec.-Lei 201/67 acrescentou delitos não previstos no Código Penal. Há mais de um exemplo demonstrativo da maior amplitude do art. 1.º do Dec.-Lei 201/67. Basta indicar o peculato de uso, com pena de dois a doze anos de reclusão, art. 1.º, II, e a desobediência à ordem judicial, art. 1.º, XIV, inexistentes no Código Penal.
Inexplicavelmente, o ministro Paulo Brossard ousou justificar a disparidade aduzindo que o Dec.-Lei 201/67 visou aperfeiçoar a punição de prefeito (RTJ 156/176). Por que só o prefeito?
Alheio à perversa dualidade de regime punitivo, infligida ao prefeito municipal, o STF a coonesta mediante decisões do seguinte teor: “Se a conduta imputada ao prefeito não é tipificada no Dec.lei 201/67, mas o é no Código Penal, ele será processado com base neste, sem caracterizar o “non bis in idem”. (HC n.º 74.171 – T – Rel. Min. Moreira Alves – RTJ 162/370).
Outra antinomia tem origem na definição do mesmo fato como crime de responsabilidade para o presidente da República, e como crime comum para o prefeito municipal, pelo Dec.-Lei 201/67
Exemplifica-se com o inc. V do art. 1.º do Dec.-Lei 201/67 e pelo art. 11, 1, da Lei l.079/50. Ambos os dispositivos proíbem ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes. A redação, assemelhada à do art. 315 do Código Penal, é também análoga à do art. 11, 1, da Lei n.º 1079/50. O mesmo se passa com os incisos VI e VII do Dec.-Lei 201/67 e o art. 11, 1, da Lei 1079/50; o inc. VIII do Dec.-Lei 201/67 e o art. 11, 3 da Lei 1079/50; o inc. X, do Dec.-Lei 201/67 e o art. 11, 4 da Lei 1079/50; o inc. XIII, do Dec.-Lei 201/67 e o art. 9.º, 5, da Lei 1079/50; o inc. XIV, do Dec.-Lei 201/67 e o art. 8.º, 7 e o art. 12, 2 da Lei l.079/50. Tirante as pequenas diferenças de redação, o comando central dos preceitos contrastados descreve o mesmo bem jurídico posto sob a proteção daquelas normas.
Dessa coincidência normativa, é imperioso inferir-se que a expressiva maioria do crimes comuns, capitulados no art. 1.º do Dec.-Lei 201/67, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, está concebida como crime de responsabilidade pela Lei 1079/50, sujeito ao julgamento do Poder Legislativo. O mesmo fato, lá, é crime comum; cá, é responsabilidade político-administrativa ou crime de responsabilidade.
Tendo sido os diplomas legais editados pela mesma instância legiferante, a União Federal, com o intuito manifesto de definir crimes de responsabilidade, a interpretação dos delitos do art. 1.º do Dec.-Lei 201/67, como crimes comuns, afronta a letra e a substância deste ordenamento.
Ademais, frente à dupla regência legal do mesmo fato, o intérprete há de curvar-se ao princípio da lei mais benigna, remetendo o respectivo julgamento ao Poder Judiciário (foro especial por prerrogativa de função – art. 29, X, CF/88), ao invés de submetê-lo ao juízo político da Câmara de Vereadores (art. 4.º do Dec.-Lei 201/67), pois esta quando instaura processo de cassação do mandato do prefeito é porque logrou construir suficiente maioria parlamentar a ele adversa.
Ainda outro desdobramento da nova orientação do STF está em que ela põe fim a antigo dissídio doutrinário, travado entre os que atribuíam natureza criminal ao crime de responsabilidade e os que o reputavam infração de cunho político.
Porém, se o crime de responsabilidade ou infração político-administrativa, tal e qual se exprime o art. 4.º do Dec.-Lei 201/67, tem natureza criminal, para efeito de reconhecer à União a competência legislativa, tais infrações também deveriam ser julgadas pelo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 29, X, da CF/88. É bem de ver que não há norma expressa na Carta Magna incumbindo a União de legislar sobre infrações político-administrativas do prefeito e do governador. A única regra de competência, na matéria, encontra-se no art. 85, parágrafo único, que prevê lei definidora dos crimes de responsabilidade do presidente da República, enunciados genericamente. É, pois, duvidosa a competência da lei editada pela União para delinear as hipóteses de infração político-administrativa do prefeito (Dec.-Lei 201/67, art. 4.º) e do governador (Lei 1079/50, art. 74).
Finalmente, perdem validade as disposições constantes das Leis Orgânicas Municipais definidoras de crimes comuns (sob o título de crimes de responsabilidade), bem assim das infrações político-administrativas e respectivo processo, ainda que traçado na legislação do respectivo Estado-membro.
Atingida foi também a jurisprudência dos Tribunais, que durante algum tempo, afirmava a não recepção do art. 4.º do Dec.-Lei 201/67 pela CF/88, inspirada na doutrina de José Afonso da Silva e Tito Costa (RT 669, de 1991, p.11 e p.253).
Reginaldo Fanchin é membro do Instituto dos Advogados do Paraná.