Crime na fronteira

Já havíamos alertado e denunciado aqui, inutilmente, diversas vezes. Agora os fatos falam por si: um inusitado esquema de corrupção envolvendo principalmente a Polícia Rodoviária Federal acaba de ser desbaratado nas cercanias de Foz do Iguaçu, numa megaoperação da Polícia Federal com o aval do Ministério Público. Nunca tantos policiais foram presos de uma só vez. Todos eles, assim como seus sócios civis, estão envolvidos com propinas recebidas para deixar passar ônibus e sacoleiros com mercadorias contrabandeadas, incluindo, conforme se anuncia, drogas e armas.

A operação foi chamada, ironicamente, de “Trânsito Livre” e dela participaram cerca de 200 policiais federais de todo o Brasil, repetindo o sucesso da “Operação Anaconda” que, em São Paulo, descortinou o envolvimento de altas figuras, inclusive do Poder Judiciário, num esquema de favorecimento ao tráfico de drogas e venda de sentenças. Em Foz do Iguaçu e arredores, a liberdade de transitar vinha sendo pedagiada em valores que variavam de 300 a 500 reais por ônibus.

O esquema era tão sofisticado que envolvia inclusive batedores – pessoas que iam na frente fazendo o serviço sujo para liberar os “importabandeadores” da incômoda vistoria nos postos policiais. Os presos, após indiciados pelos crimes de tráfico de drogas, organização criminosa, formação de quadrilha, facilitação de contrabando, prevaricação e corrupção ativa e passiva, podem pegar, se condenados, penas que chegam a ultrapassar vinte anos de cadeia.

Segundo se anuncia, a Polícia Federal estava de olho no negócio sujo faz tempo. Gravou telefonemas, agiu com cautela e fez a coisa dentro da lei. Deu o bote na hora que achou acertada. Diz-se agora que esse tipo de corrupção funcionava há pelo menos três anos.

Bobagem. Todo mundo sabe que funcionava há muito mais tempo. E – devido ao comércio que era bem mais intenso – com muito mais intensidade. Qualquer sacoleiro dos tempos em que comprar no Paraguai era moda (só de Curitiba saiam, pelo menos três vezes por semana, algumas dezenas de ônibus lotados) é capaz de contar histórias muito piores que esta descoberta pela Operação Trânsito Livre. Com uma diferença: os muambeiros eram “importunados” desde a saída de Foz até a chegada em Curitiba. Ou além, para os que eram de outras regiões. Um ônibus carregado de contrabando só era apreendido caso seus responsáveis ou guias cometessem a “imprudência” de não contribuir com a importância pedida. Em cada uma das paradas fixas ou improvisadas ao longo do caminho. E às vezes, depois de tudo, vinha o assalto na madrugada com a ajuda – segundo as más línguas – de elementos… ligados à polícia.

Do esquema de contrabando apreendido (afinal, alguma apreensão sempre acontecia) até o Palácio do Planalto foi, certa feita, beneficiado. Um caminhão, carregado de computadores e outros aparelhos de informática, foi levado para atender a órgãos públicos, em Brasília, segundo noticiaram sem contestação os jornais da época. Muita mercadoria apreendida sem documentação era “desovada” em negócios subterrâneos, também jamais documentados.

Isso, é verdade, não vem muito ao caso agora. Águas passadas não movem moinho. Mas uma pequena olhada no patrimônio de alguns agentes do Estado com algum tempo de serviço na “rota da propina”, que começava já dentro da cidade de Foz do Iguaçu e se espraiava BR-277 e suas ramificações afora, pode dar ainda hoje a dimensão de quanto rendeu a policiais corruptos o negócio ora desbaratado.

A ação da Polícia Federal contra o crime da fronteira tem o mérito de insinuar que de agora em diante tudo vai ser diferente. Na “rota da propina” e alhures. Tomara seja verdade. Só assim o Brasil começaria a ter jeito.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo