Os planos do presidente Lula de elevar o crescimento do País para níveis superiores a 5% ao ano a partir de 2007 podem ir por água abaixo se ele não conseguir deslanchar os investimentos na área de energia. Coincidentemente, a iminência de uma nova crise elétrica ocorre no segundo mandato de Lula, a exemplo do que ocorreu em 2001, na administração de Fernando Henrique Cardoso.
Até agora, segundo especialistas, o que tem jogado a favor da oferta de energia no País é o tímido avanço da economia, abaixo de 3% ao ano. Se o País começar a crescer acima de 5% ao ano, o setor elétrico não deve suportar muito tempo. De acordo com dados da Gásenergy, os riscos de déficit estarão acima dos 5% tolerados a partir do ano que vem, em algumas regiões do País.
"Como consumidor, estou preocupado com a situação. Se crescermos 4% ou 5%, o apagão chega mais perto", enfatiza Mario Cilento, presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), cujos associados representam 25% do PIB brasileiro.
Na avaliação de Gorete Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), além da falta de gás para abastecer as térmicas, há outras questões que aumentam o risco de déficit do País. Um deles é exatamente o argumento do governo de que as distribuidoras estão 100% contratadas até 2010.
O fato é que há 20% desse mercado, chamado livre, que não está sendo considerado pelo governo, diz ela. "É preciso saber como estão esses consumidores, formados pelas grandes empresas. Os contratos vencem quando?", questiona ela.
A questão é que, se esses consumidores livres não tiverem energia para abastecer, eles vão bater na porta das distribuidoras. Daí, os 100% contratados vão por água abaixo. "Ou será que a solução será parar essas empresas", questiona um outro especialista que prefere não se identificar.
De acordo com dados da Comerc – com base em informações da Aneel mas representando apenas 20% das operações do mercado livre – 49% dos consumidores livres terão seus contratos vencendo entre 2007 e 2010 e 51% entre 2011 e 2016.
A Comerc levantou também que os consumidores livres já têm encontrado dificuldade para renovar seus contratos. Isso porque as geradoras direcionaram um grande montante de energia para as distribuidoras por meio dos leilões do governo.
Mais de 20.000 MW foram negociados nesses processos, o que ‘enxugou’ do mercado a energia disponível para contratação pelos consumidores livres. A Comerc aponta ainda que cerca de 29% dos consumidores livres terão seus contratos vencendo entre 2007 e 2009. "O grande desafio do governo é garantir o abastecimento de 2009 e 2010", diz Gorete.
O professor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, afirma que o risco de racionamento já está aí. A idéia de que o risco vai diminuir está apenas no papel.
"Estou rouco de alertar para o fato de o País entrar novamente em colapso. A resolução da Aneel é só uma confirmação dos problemas existentes. Mas oficializar ou não a falta de capacidade das térmicas de funcionar de forma plena não vai solucionar o problema.
Pinguelli afirma que a inclusão das térmicas no sistema elétrico foi mal feita e intempestiva, além de dar enormes prejuízos à Petrobrás. "A questão é que o governo Lula não fez nada para resolver isso. Está ficando tudo embaixo do tapete."
Para administrar a crise, a alternativa será usar térmicas bicombustíveis, que deverão gerar um custo grande para o País e, conseqüentemente, para o consumidor."Esse é o preço de não fazer as coisas com antecedência.
Cilento acrescenta ainda que houve um grande incentivo da Petrobrás e do governo para aumentar o consumo de gás natural em vários setores. Isso incluiu a transformação de várias indústrias, que passaram a adotar o gás no lugar de óleo combustível e diesel, e o aumento das térmicas na matriz elétrica.
Além disso, o consumo de veículos teve uma explosão nos últimos anos. Só esqueceram de elevar a oferta.
"Fiz minhas opções como consumidor e agora isso não é mais válido", diz o executivo.
