Créditos de ICMS e Responsabilidade Ambiental

O ICMS é o tributo de maior relevância para a arrecadação dos Estados. Não por acaso, recorrentemente protagoniza calorosas discussões, seja entre Estados e União ou entre os próprios Estados. Comprovam este cenário de permanente debate as notícias relativas às possíveis modificações na sistemática deste tributo por ocasião de uma reforma tributária. Além disto, também é presença constante nas manchetes a denominada guerra fiscal envolvendo os Estados, disputa esta que pode ser entendida, em última análise, como uma decorrência da atribuição de competência estadual quanto à instituição de um imposto de vocação eminentemente nacional. A par destas relevantes questões, neste momento, volta-se a atenção para uma outra, atrelada à relação entre Estado e contribuintes, ou seja, entre os Estados e as empresas que lhes pagam o ICMS. Trata-se, especificamente, da amplitude do creditamento do ICMS vinculado às aquisições de insumos a serem utilizados em determinadas etapas do processo produtivo das empresas. Essas etapas são indispensáveis do ponto de vista da responsabilidade ambiental das mesmas. O entendimento fiscal a respeito da matéria tem repercutido na não aceitação de parcela destes creditamentos, não havendo, ainda, uma compreensão judicial definitiva sobre o assunto.

Pois bem, de uma forma sintética e generalizante, é possível afirmar que o ICMS é um tributo que incide nas várias etapas do processo produtivo de mercadorias. Para se evitar o acúmulo do ônus do imposto em virtude das várias incidências no ciclo produtivo de uma mesma mercadoria, é permitido aos contribuintes realizar abatimentos. Estes abatimentos reduzem o valor a recolher a título de ICMS, uma vez que levam em conta o que fora cobrado em etapas anteriores. Para tanto, em termos práticos, as aquisições (entradas) permitem a apropriação de créditos e as vendas (saídas) implicam no lançamento de débitos, tudo isto em uma conta corrente própria para este tributo.

Esta compensação é um direito dos contribuintes, garantida em norma de estatura constitucional e que se materializa no chamado princípio da não cumulatividade. Este direito possui suas limitações na própria Constituição e, portanto, o legislador infraconstitucional e o intérprete e aplicador das normas jurídicas devem ter suas condutas determinadas por esta diretriz jurídica elementar. Inobstante, tal qual informado de início, o creditamento em relação a determinadas entradas está recebendo a resistência por parte do Fisco estadual, que se recusa a aceitá-lo. Alega o Fisco que haveria, no processo produtivo da pessoa jurídica contribuinte do ICMS, além da linha principal, a linha que, ele, Fisco, considera marginal. Os insumos adquiridos para utilização na linha principal renderiam ensejo ao aproveitamento de créditos, ao passo que os relacionados à linha marginal, não. Esta questão, demasiado complexa, pode ter desdobramentos distintos a depender da atividade desenvolvida pela empresa. Para aquelas que desenvolvem atividades com algum impacto ambiental, este tema cresce consideravelmente em importância na medida em que são muitos os insumos destinados ao tratamento de fases de seu processo produtivo que, se não forem objeto de cuidado especial, terão como conseqüência danos ambientais significativos. Por outro lado, há de se considerar que tais empresas apenas operam com autorizações ambientais específicas, autorizações estas que somente são concedidas e mantidas se a empresa interessada demonstrar permanentemente que cuida dos impactos ambientais que seu processo produtivo, como um todo, acarreta. Com isto, pode-se afirmar que a linha do processo produtivo destas empresas, considerado pelo Fisco como marginal, é de importância absolutamente fundamental, de relevância vital para que lhes seja permitido operar.

Nota-se, pelo exposto, que não há processo produtivo admissível sem que o mesmo seja ambientalmente responsável. Assim como a não cumulatividade é um princípio de natureza constitucional, a responsabilidade para com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e o compromisso para com as gerações futuras são determinações constantes da Constituição da República, isto é, normatizadas no patamar máximo do Direito e, por isto, de observância obrigatória.

O descrito panorama normativo constitucional demonstra que o processo produtivo de uma empresa é um conjunto complexo e orgânico, com etapas indissociáveis e que, se não satisfeitas, impossibilitam a própria autorização para funcionamento da pessoa jurídica. Como a sistemática da não cumulatividade do ICMS, repita-se, de estatura constitucional, visa precisamente à desoneração do processo produtivo da mercadoria pelo não acúmulo das incidências, a segregação do processo produtivo em linhas autorizativas de creditamento e outras que não o seriam, gera o surgimento de ilhas de cumulatividade no contexto do processo produtivo. Noutras palavras, a interpretação que inviabiliza o creditamento também quanto a insumos destinados à redução dos impactos ambientais de determinados processos produtivos propicia o indesejável desrespeito à norma constitucional da não cumulatividade. Embora existam respeitáveis decisões judiciais e administrativas em sentido contrário, limitadoras, portanto, do creditamento, é importante ressaltar que, na perspectiva do Estado Democrático de Direito, as normas constitucionais devem ser interpretadas sistemicamente, o que tem ensejado decisões de Tribunais reconhecendo o direito do contribuinte ao aproveitamento do ICMS das entradas de semelhantes insumos.

Leonel Martins Bispo é advogado e Coordenador do Contenciosos Pactum Consultoria Empresarial.

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