A condição primordial para o governo Luiz Inácio Lula da Silva cumprir sua meta prioritária de acabar com a fome é ampliar a produção dos alimentos básicos da mesa dos brasileiros. Para o alcance desse objetivo, o crédito rural é instrumento fundamental, sem prejuízo da utilização do moderno mecanismo da Cédula de Produtor Rural (CPR), que serve simultaneamente para assegurar preços ao produtor e antecipar recursos financeiros, destinados ao custeio das lavouras.
Além do uso da CPR, o médio e o grande produtor devem ter acesso facilitado aos financiamentos rurais para capital de giro e de melhoramentos, indispensáveis ao melhor desempenho das atividades agropecuárias, que possibilitem geração de divisas via exportação e o abastecimento do mercado interno.
Já alcançamos o patamar de produção de 100 milhões de toneladas de grãos, que pode ser duplicado a curto prazo com a aumento da produtividade e incorporação de novas áreas de plantio, amplamente disponíveis, pois nosso país detém 10% das terras agricultáveis do mundo, sol e água em abundância. Somos competitivos em praticamente todos os tipos de cultura, fazendo com que Estados Unidos e Europa tenham que socorrer com bilhões de dólares e de Euros seus produtores agrícolas. Aliás, os EUA querem impor a ALCA e a UE deseja firmar Acordo de Livre Comércio com o Mercosul, desde que não interfira e não mexa nos fartos subsídios aos seus agricultores.
Aqui, os médios e grandes agricultores e pecuaristas produzem em escala e em geral podem recorrer à rede bancária particular, o que não é o caso dos pequenos agricultores, espalhados pelo nosso vasto território, carentes de financiamentos a juros baixos e prazos longos, conjugados com assistência técnica para elevar a produtividade. Estes são a maioria e lhes é difícil conseguir crédito agrícola, mesmo nos bancos oficiais, ou porque estão distantes das agências bancárias ou por receio de endividar-se e muitos por timidez.
Chegou a hora de serem reinstituídas no Banco do Brasil as Unidades Móveis de Crédito Rural, criadas por Jânio Quadros, multiplicadas no período João Goulart e extintas no regime militar. Elas eram miniagências rurais instaladas dentro de uma viatura, que se locomoviam às vilas e povoações longínquas dos municípios, em datas previamente anunciadas. Acolhiam-se as propostas de financiamento e elaborava-se o cadastro no local. Um mês depois, as Movecs voltavam para assinatura dos contratos e entrega do numerário. Atualmente, teriam que ser utilizados carros-fortes, devidamente comboiados, embora no interior a incidência de roubos e assaltos quase inexista.
A violência tomou conta das cidades devido ao êxodo rural (e conseqüente desemprego), provocado exatamente pela falta de assistência ao homem do campo. Se este tivesse crédito para plantar, garantia de preço mínimo e de compra pelo governo quando o mercado não absorvesse seus produtos; se a eletrificação rural tivesse chegado às suas casas e houvesse escolas e hospitais na região, ele certamente permaneceria na gleba com suas famílias e não se deslocaria para as favelas e os cortiços das megalópolis.
Para criar fartura de alimentos poder-se-ia também restaurar conduta do governo João Goulart de usar o crédito agrícola do Banco do Brasil como indutor do plantio de gêneros de primeira necessidade, até que o governo consiga constituir estoques reguladores de pelo menos um ano de consumo interno, garantindo o abastecimento, o cumprimento dos contratos de exportação e dissuadindo a especulação de preços sempre que houver frustração de safras.
O modelo é de simples aplicação: o mutuário de lavouras de alta densidade econômica, como o café, algodão, soja, etc., como pressuposto para contrair empréstimos de custeio, teria que plantar feijão, milho ou arroz em pelo menos 30% da área do produto principal, em cultura intercalar ou terreno separado. Se a colheita prevista fosse copiosa, teria que construir armazém ou silo, dentro da propriedade ou margeando a rodovia ou ferrovia próxima, obviamente tudo financiado.
Ainda poderiam ser criados outros condicionantes na concessão de crédito, que resultassem em contratação de mais empregados e construção de casas para assalariados com o mínimo de conforto; cláusula de financiamento de eletrificação rural que obrigue a colocação de energia nas casas dos empregados (adotada no tempo de Goulart); permissão para os trabalhadores rurais plantarem para si em pequenas áreas disponíveis, que seriam lavradas nos dias de folga junto com seus familiares. Esta prática muito usual antigamente desapareceu por causa do patrão temer ações judiciais. Nos casos acima justifica-se alterar a legislação, se for preciso.
Em nova concepção, o Banco do Brasil priorizaria o incremento do número de contratos do Pronaf, Procera, Funcafé e de linhas de crédito do próprio banco, pulverizando o atendimento e o Diretor do banco, em vez de ficar confinado no seu gabinete em Brasília, deslocar-se-ia às regiões produtoras, verificando in-loco deficiências e reivindicações.
Enfim, impõe-se adotar medidas compatíveis com nossa realidade e estágio de desenvolvimento, isto é, soluções brasileiras para problemas brasileiros, deixando de copiar figurinos estrangeiros.
* Léo de Almeida Neves
foi deputado federal, diretor da CREAI do Banco do Brasil e Presidente do Banestado. Agora, é suplente do Senador Roberto Requião.