A febre do financiamento e o crescimento apenas modesto dos salários têm levado ao aumento do endividamento do brasileiro e já compromete sua capacidade de consumo.
Dados apresentados na semana passada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante seminário em São Paulo, indicam que a massa de rendimento do trabalho (soma de valores recebidos como remuneração) aumentou 17% nos últimos três anos, de R$ 474,2 bilhões em 2003 para R$ 555 bilhões este ano.
Segundo especialistas, o resultado se deve quase exclusivamente à ampliação do emprego, já que a renda real permaneceu estável ou até em queda.
Nesse mesmo período, só o montante de empréstimos concedidos à pessoa física por bancos e financeiras cresceu de R$ 98,5 bilhões para R$ 177,7 bilhões – um salto de quase 80%. Os valores foram atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação no País, medido pelo IBGE.
O descompasso entre o ganho de rendimentos do trabalho e a corrida aos financiamentos já se reflete nos índices de inadimplência. De acordo com a Serasa, a inadimplência entre os consumidores apresentou alta de 39,3% de 2004 até junho deste ano.
O levantamento reúne dados sobre calote em todas as modalidades de crédito – cheques devolvidos, títulos protestados e dívidas vencidas com bancos, empresas do varejo, cartões de crédito e financeiras.
?Houve uma overdose de crédito?, diz um banqueiro. ?Os bancos e as lojas aumentaram a oferta de empréstimos voltados para o consumo e agora estão pagando a conta com aumento da inadimplência.
O economista Sérgio Vale, da consultoria MB Associados, chama a atenção para o perfil de quem mais se endividou. Houve um grande crescimento do crédito consignado, principalmente para aposentados, que consumiram mais medicamentos e materiais de construção. Entre os trabalhadores do setor privado, o crédito com desconto em folha tem sido usado principalmente para comprar eletroeletrônicos mais caros, como televisores e computadores.
?O aumento do salário mínimo responde por quase um quarto da expansão da massa de rendimento em 2006. O resto é aumento de mão-de-obra e não aumento real de salário?, diz Sérgio Vale.
?Como no ano que vem não teremos um aumento real relevante do salário mínimo nem o emprego deve crescer tanto, por causa da perda de dinamismo das exportações, teremos um cenário de inadimplência muito maior?, acrescenta Vale.
Nas Lojas Cem, rede de varejo de eletroeletrônicos e móveis, as perdas com o calote de consumidores praticamente dobraram nos últimos 18 meses. A taxa passou de 3% para 5% da carteira de vendas a prazo.
?A conseqüência é que paramos de reduzir os juros ao consumidor? diz o supervisor-geral Valdemir Colleone. Desde outubro, a rede mantém taxa de 4,8% ao mês nas vendas parceladas em 20 vezes. ?Se a inadimplência tivesse se mantido em 3%, essa taxa poderia ser hoje de 2,9% a 3% ao mês?.
A situação é complicada porque o custo dos financiamentos continua elevado, apesar da queda da taxa básica, diz o economista Fábio Pina, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Segundo ele, já que a renda dos consumidores não sobe na mesma proporção do endividamento, a tendência é de estrangulamento ainda maior da capacidade de compra dos brasileiros.
O varejo tem duas alternativas, diz Carlos Henrique de Almeida, assessor econômico da Serasa. ?A mais simplista é aumentar os juros como atitude defensiva, o que pode provocar mais inadimplência. Outra é melhorar a qualidade do crédito, principalmente do pequeno varejo, que hoje oferece crédito fácil para poder concorrer com os grandes?.
