Com 24 horas de atraso, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do "Mensalão" terminou hoje, com a apresentação informal de um relatório considerado tímido por não ter incriminado um único deputado nem tampouco acatado a tese do pagamento de mesada em troca de votos favoráveis ao governo na Câmara. O relator, deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), leu o parecer contestado por parlamentares da oposição, antes mesmo de ser apresentado. Mas o fez numa sessão considerada fantasma, por ter ocorrido depois de o "Diário do Congresso Nacional" ter registrado o encerramento dos trabalhos da CPI à meia-noite da véspera (16).
"Sinto-me um idiota e penitencio-me por ter acreditado que isso aqui seria sério", protestou no plenário da CPI o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), comparando-se a três personagens de conhecidos escritores brasileiros: Eremildo, o idiota, do jornalista Elio Gaspari; a Velhinha de Taubaté, de Luiz Fernando Veríssimo, e Palhares, o Canalha, do jornalista Nelson Rodrigues. Passava das 16 horas e os deputados e senadores nem sequer sabiam se o inquérito estava encerrado ou se teriam ganho a sobrevida de um dia. Enquanto alguns parlamentares insistiam na coleta das assinaturas de deputados para prorrogar a CPI por mais 30 dias, o secretário-geral da Mesa Diretora do Senado, Raimundo Carrero, afirmava que o trabalho seria inútil porque a comissão estava morta.
Foi uma sessão de lamúrias em que não faltaram desabafos emocionados e mea-culpas pelo fiasco. "É um horror, uma vergonha mas não conseguimos as assinaturas necessárias para prorrogar os trabalhos e terminar a CPI com o mínimo de decência", disse a deputada Zulaiê Cobra Ribeiro (PSDB-SP), ao revelar que estava "jogando a toalha, exausta de tanta humilhação". Diante da resistência do PT da Câmara em acatar a prorrogação, Zulaiê queixou-se dos maus-tratos dos petistas, a quem, em vão, pedira apoio na Câmara.
No mesmo tom, um dos mais atuantes na ofensiva de última hora para tentar esticar a CPI por pelo menos 30 dias, o deputado José Rocha (PFL-BA) demonstrava a decepção: "Fico muito triste de chegar ao final sem uma conclusão, neste enterro lastimável da CPI." Mas foi a deputada Perpétua Almeida (PC do B-BA) quem fez a autocrítica mais profunda, em que ninguém foi eximido de culpa pelo final melancólico da CPI.
"Boa parte desta CPI está fazendo jogo de cena porque a verdade é que não houve interesse de parte dos aliados nem da oposição em investigar", denunciou, ao propor que todos fizessem um exame de consciência. "Sinto-me desde ontem como se estivéssemos acompanhando um velório, mas o fato é que todos nós erramos, e erramos feio", confessou, para concluir: "Se houvesse interesse real nosso, teríamos feito, corretamente, nosso trabalho nos quatro meses (do tempo regulamentar da investigação que estava encerrado)."
Ninguém a contestou, quando Perpétua disse, claramente, que os governistas faziam corpo mole na CPI, quando a oposição queria investigar denúncias de corrupção que envolviam o governo e os aliados. Da mesma forma, a oposição é que mostrava o desinteresse pelo inquérito, quando a pauta da CPI eram as denúncias de compra de voto para a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Mas, segundo o deputado Júlio Redecker (PSDB-RS), que bateu boca com o relator na sessão de hoje, nem mesmo o pouco que foi investigado e comprovado aparece no documento. Os técnicos da CPI haviam comprovado o pagamento de um "semanão" ao PL do ex-deputado Valdemar Costa Neto, o que foi denunciado pelo tucano na CPI. Abi-Ackel até fez menção aos "gráficos elaborados por Redecker", demonstrando a "coincidência temporal" entre "o maior volume de parcelas financeiras transferidas" e a votação no plenário da Câmara de matérias de "especial interesse" da administração federal.
"A despeito dos sinais que aparentam correlação de causa e efeito, é arriscado acolhê-los como elemento de prova do recebimento de vantagens financeiras indevidas", argumentou Abi-Ackel no relatório. Inconformado com o fato de o relator ter preferido acatar a tese do caixa dois de campanha ao pagamento de mesada denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) Redecker promete apresentar um "voto sem separado" no plenário da Câmara. "Sei que não terá valor como voto porque a CPI já acabou, mas vou falar para conhecimento da opinião pública porque o relatório também não pode ser considerado", disse.
