Até o ministro do Turismo, normalmente ausente nessas questões, entrou na dança para cabalar votos e garantir a aprovação, pela Câmara Federal, do salário mínimo de R$ 260 decretado pelo governo do PT – o primeiro dentro de um orçamento totalmente seu. E após uma verdadeira batalha campal onde aconteceu de tudo, incluindo a liberação de recursos de emendas parlamentares, o Planalto cantou vitória. Terá agora que repetir a operação no Senado, onde o jogo-de-braço será bem mais difícil. Mas o “mínimo da vergonha”, como querem muitos, em Brasília é encarado apenas como um bom motivo político. Divide e mostra divisão no que dividido já está.
Não há vitória sem perdas. O governo sabe disso e as contabiliza inclusive nas hostes petistas. Fosse em outros tempos, a expulsão do partido seria o único caminho para os cinco dissidentes ora revelados, que se juntam aos radicais já degolados. Mas o PT, ao que consta, aprendeu a lição: “Não vamos repetir o ano passado: desta vez vamos cozinhar o galo”, anunciou com força de sentença transitada em julgado o presidente do partido, José Genoino.
Como assim? Eis a nova estratégia da agremiação partidária: os dissidentes ficarão em casa, mas de castigo. Serão colocados na geladeira, serão evitados em comissões técnicas, relatorias de projetos, reuniões e articulações partidárias importantes. Mesmo caminho terão os que se abstiveram de votar. Genoino diz que não tem tempo para brigas agora. Principalmente intestinas. Vai cuidar das eleições municipais, mas o processo de isolamento dos que desafiaram a orientação partidária (a mesma do governo) será longo e dolorido.
Assume assim maior importância o comportamento dos políticos discordantes que a questão de consciência por eles levantada. Afinal, ninguém que defendia valor maior (R$ 275) era contra o governo, mas a favor do povo. Chegou-se a argumentar que quinze reais a mais no bolso de um trabalhador seria dinheiro que não entra na ciranda financeira ou na especulação, mas se tornaria “pão, pano, tijolo, remédio e condução”, alimentando o mercado interno de milhões de brasileiros. Inútil também foi mostrar que toda a diferença, segundo cálculos não contestados, corresponderia a apenas três dias de pagamento dos juros da dívida externa. Uma quirera.
O desgaste do governo petista com o salário mínimo não termina aqui, com certeza. O senador Paulo Paim, por exemplo, questiona um pouco mais fundo, quando compara o comportamento governamental diante de categorias ou pessoas que ganham mais. O desconto de R$ 27,50 na tabela do Imposto de Renda para quem ganha acima de R$ 2.015 – outro número quase simbólico – virou alavanca de poderoso discurso que nega o sempre propalado compromisso do PT com os descamisados. “Se não temos dinheiro (R$ 15) para o salário mínimo, como vamos garantir R$ 27,50” para quem ganha bem mais que isso? Ou de onde sairão os recursos para garantir o aumento de R$ 2.400 (quase dez novos salários mínimos!) que os ministros do Tribunal Superior do Trabalho terão a partir deste mês? A resposta é simples, segundo o cansado Paim: “Para quem ganha salário mínimo, não tem jeito, mas para quem ganha mais, sempre há uma maneira”. Se assim foi e assim está sendo, onde a diferença?
Como se percebe, mesmo na geladeira os dissidentes prometem incomodar. E podem acabar por resfriar todo o ambiente, pois os estudos para uma recomposição do poder de compra do salário mínimo, acenada pelo Planalto como a grande novidade futura, nada de interessante até aqui acrescentaram. Exceto aquela idéia repetida do deputado Virgílio Guimarães de incorporar ao mínimo o salário-família, que seria pago pelas empresas e não pela Previdência. Além do risco de funcionar como um incentivo à natalidade, sempre catastrófico nas camadas de baixa renda, a proposta tem o mesmo mal de nascença: coloca na geladeira (ou “cozinha o galo”, como prefere Genoino) todos os que vivem dos minguados recursos da Previdência. E isso, já dissemos aqui, seria uma obra-prima às avessas para um governo que se diz dos trabalhadores.