Corrupção, juizados de instrução e tribunal superior da probidade administrativa

Para eliminar a impunidade reinante no nosso país sobretudo no âmbito da corrupção (que estaria gerando riscos inclusive para a democracia), vem o deputado Paulo Renato Souza sugerindo a criação de um Tribunal Superior da Probidade Administrativa (O Estado de S. Paulo de 22/7/07, p. A2). É de se louvar a preocupação do deputado para resolver o problema, de qualquer modo, a instituição de um Tribunal Superior composto de 11 membros para julgar casos de improbidade administrativa não parece ser o melhor caminho. Muito mais adequado nos afigura um novo Juizado Especial (Juizados de Instrução).

A proposta do referido parlamentar centrou-se nos delitos contra o patrimônio público. O problema, entretanto, não reside neste ou naquele delito, sim, na morosidade do processamento de todos os casos de competência originária (foro especial). Para atacar as causas do problema o correto é retirar os ministros e desembargadores da presidência da fase preliminar instrutória. Disso deve se encarregar um juiz (ou desembargador) integrante dos Juizados de Instrução. O foro especial por prerrogativa de função existe no mundo todo. Não há como eliminá-lo nesse momento (tendo em vista o entorno cultural ocidental). Mas a instrução probatória, sem sombra de dúvida, deve ser mais célere. Um novo Tribunal Superior não resolve essa questão. Ao contrário, com pouco tempo de funcionamento tende a apresentar os mesmos gravames dos atuais tribunais.

De outro lado, não nos parece que seja preciso ?uma ampla reforma do Processo Penal, recursos mais restritos e prerrogativas menos liberais?. O mais sério vício das propostas parlamentares nos últimos tempos reside no seu tendencial ranço populista (eleitoral). O Deputado Paulo Renato conta com discernimento suficiente para aparar as arestas da sua proposta. Recordemos: no Estado constitucional e humanista de Direito todas as garantias constitucionais, internacionais e infraconstitucionais devem ser preservadas, ou seja, o acusado deve contar com ampla defesa e contraditório, direito de contratar defensor etc.

A única coisa a ser feita, em síntese, consiste na criação dos juizados de instrução. No mais, deve-se seguir o regramento processual vigente. Um juiz dedicado só a isso dará a celeridade esperada. Ele presidirá toda fase instrutória e conduzirá o caso até o recebimento (ou rejeição) da peça acusatória. Uma vez recebida essa peça, envia-se tudo ao tribunal competente para o julgamento final, nos termos do procedimento acusatório (oral).

De acordo com a proposta do deputado Paulo Renato o TSPA teria competência para julgar ?os crimes contra a administração pública assim como os atos de improbidade administrativa?. Esses atos de improbidade administrativa não configuram ?delito? (no sentido formal da expressão). Logo, não deveriam nunca estar sujeitos à regra do foro especial por prerrogativa de função. Nesse ponto impõe-se ampla reforma da legislação vigente (que, por causa da sua atual dubiedade, levou o STF a corretamente admitir em junho de 2007 a inaplicabilidade da lei da improbidade aos agentes políticos).

De outro lado, se o TSPA viesse a se encarregar dos crimes contra a administração pública, os outros delitos ficaram sob a jurisdição dos atuais Tribunais Superiores. Ou seja: o problema da impunidade continuaria porque esses tribunais não contam com estrutura para o processamento preliminar dos casos que estão sujeitos à sua competência originária.

Sugere-se, de outra parte, que o relator do caso receba monocraticamente a denúncia, ?sem recurso ao plenário?. O juízo de admissibilidade (ou inadmissibilidade) da denúncia é um dos mais relevantes, porque traz conseqüências sérias para o denunciado na media em que ele se transforma em ?réu? a partir do momento em que a denúncia é recebida. Recorde-se que o ato do recebimento da denúncia pode implicar abusos incomensuráveis, daí a importância capital dos recursos (que existem para cumprir a função corretiva das ilegalidades e dos constrangimentos). Cortar recursos excrescentes (como é o caso do protesto por novo júri, v.g.) é uma coisa, mas isso jamais pode ser confundido com a eliminação das garantias mínimas dos acusados.

Em suma: não nos parece acertada a proposta de criação de um TSPA. Conta com maior chance de acerto um juizado especial (Juizados de Instrução), que funcionaria sob a égide do contraditório. A vantagem desse mecanismo consiste no seguinte: toda prova produzida perante esse juiz não precisa ser renovada perante o Tribunal competente. Adotando-se o sistema acusatório, tudo é ratificado (neste tribunal) oralmente. A ampla defesa, nesse caso, somente é exercida para aclaramento de pontos divergentes.

A celeridade esperada só se pode alcançar, como se vê, com a introdução no nosso ordenamento jurídico dos juizados de instrução, que devem instruir todos os casos de competência originária. No âmbito processual e operacional essa parece ser a melhor solução. Que, de qualquer modo, não esgota todo o arsenal de possibilidades.

Paralelamente à idéia da criação dos juizados de instrução, a criminalidade organizada coligada com a corrupção deve também ser enfrentada com o uso de mecanismos penais, tendentes ao consenso, à colaboração. A figura da colaboração com a Justiça apresenta-se bastante apropriada nesses casos de criminalidade econômica, como vamos procurar demonstrar em outro artigo.

Uma observação final: os casos de competência originária dos tribunais (casos de foro especial por prerrogativa de função) são julgados em instância única. Ocorre que a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, 2, h) assim como a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos asseguram, sempre, no âmbito criminal, direito a um recurso, a um juiz ou tribunal superior. Para se cumprir isso caberia a adoção do seguinte: quando o julgamento é proferido por um tribunal de segunda instância, eventual recurso de apelação poderia ir para o STJ. Quando este é o tribunal originário, eventual recurso iria para o STF. Quando o STF é o competente, só resta a possibilidade da revisão criminal (para ele mesmo), com toda amplitude possível.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do Ipan – Instituto Panamericano de Política Criminal, consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais) – www.lfg.com.br.

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