Coragem e coerência

Leonel Brizola, o menino engraxate que se formou engenheiro civil, jamais será esquecido por ter pautado sua existência pela coragem cívica, coerência na luta pelos ideais nacionalistas, obsessão pelas soluções no campo da educação e pelo seu total devotamento à política e aos interesses do povo brasileiro.

Prefeito eleito de Porto Alegre aos 33 anos e governador gaúcho aos 36 anos, coube-lhe protagonizar o episódio épico, único da história brasileira, em que uma liderança civil derrotou ministros militares golpistas, em agosto/setembro de 1961, após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Os ministros Grum Moss (Marinha), Sílvio Heck (Aeronáutica) e Odylo Denys (Exército) estavam vetando a posse do vice-presidente João Goulart, que estava na China comunista de Mao Tsé-tung, e proibiram seu retorno ao Brasil, sob pena de prisão.

Brizola montou seu quartel-general no Palácio Piratini, instalou a Cadeia da Legalidade (rádios do Rio Grande do Sul e progressivamente de todo o País), convocou o povo a agrupar-se e deu o brado de guerra em favor da Carta Magna e da sucessão pelo vice-presidente. Com destemor, arriscou a carreira política e a própria vida, mas venceu com a adesão à tese democrática do general Machado Lopes, comandante do 3.º Exército.

Nacionalista, conseguiu que a Petrobras construísse a Refinaria Alberto Pasqualini, próxima a Porto Alegre, porém seu gesto de maior repercussão foi a encampação das subsidiárias das companhias norte-americanas de telefonia (ITT) e de energia elétrica (Amforp), com pagamento pelo valor histórico do investimento, resultando em conflito com o governo estadunidense, que se prolongou pelo governo João Goulart e só teve epílogo no regime militar.

Na chefia do Executivo gaúcho, Leonel Brizola doou terras herdadas de seu sogro Vicente Goulart para projeto de reforma agrária, executando alguns programas bem sucedidos, com criteriosa seleção dos agricultores sem terra, que receberam assistência técnica e sementes selecionadas, assistidos por patrulhas motomecanizadas para preparo do solo e colheita, contando ainda com financiamento de custeio da então Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil. A grande marca administrativa de Leonel Brizola foi na educação, quando cobriu o déficit de todas as regiões gaúchas, edificando 6.302 escolas e aprimorando a formação do professorado.

Consagrando-se em 1962 deputado federal (PTB) mais votado do Brasil pelo Rio de Janeiro, empenhou todas suas energias na aprovação das reformas de base propostas pelo presidente João Goulart. O golpe de 1.º de abril de 1964 obrigou-o ao exílio no Uruguai, de onde tentou infrutiferamente organizar movimentos para derrubar a ditadura. Os militares brasileiros exigiram que o governo uruguaio o confinasse e, depois, que fosse expulso do país. Ele partiu para os Estados Unidos, contatando dirigentes do Partido Democrata, pregando o fim do discricionarismo no Brasil, seguiu para a Europa fixando residência e se articulando com os principais líderes socialistas e da social-democracia, sendo escolhido vice-presidente da Internacional Socialista, função que exerceu até sua morte.

Refundou o Partido Trabalhista Brasileiro no Encontro de Lisboa, em setembro de 1979, que reuniu exilados e trabalhistas daqui. Voltou do exílio, organizou o PTB em todos os estados, todavia perdeu a sigla para a ex-deputada federal Ivete Vargas, em manobra urdida pelo general Golbery do Couto e Silva, o mago da ditadura. Revelando tenacidade, força e voz de comando, organizou o PDT em 1980 e se elegeu governador do Rio de Janeiro por duas vezes, em 1982 e 1990. Sua principal obra foi a construção de 500 Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, execução do engenheiro José Carlos Sussekind e concepção educacional do antropólogo Darcy Ribeiro, fundador da Universidade de Brasília. Escola de tempo integral, proporciona aos alunos excepcional qualidade de ensino, apoio ao esporte e atividades recreativas e culturais, além de fornecer-lhes o café da manhã, almoço e lanche à tarde. Seu sonho ao candidatar-se à Presidência da República era espalhar os Cieps por todo o Brasil, não deixando meninos na rua e crianças sem escola.

Mais que tudo, o líder e estadista Leonel de Moura Brizola, exclusivo personagem que governou pelo voto dois importantes estados da federação, sempre será lembrado pela sua coerência, probidade e defesa infatigável dos princípios nacionalistas e do trabalhismo de Vargas, Goulart e Pasqualini, que objetiva alcançar o fim da miséria e das desigualdades sociais e a transformação do Brasil em potência mundial.

Léo de Almeida Neves

é ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil.

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