Envolvidos com a fogueira de São João e outros compromissos menos beatos, os parlamentares com assento em Brasília estavam, no prolongado final de semana que passou, bem longe do Congresso Nacional. No começo da tarde de segunda-feira, quando todos os brasileiros trabalhavam já a partir do sol nascer, apenas 38 parlamentares encontravam-se na Câmara Federal, palco das reformas e das esperanças já desvanecidas. A boa remuneração dos políticos não é o suficiente para convencer-lhes de que o mínimo que deles a Nação espera é uma maior dedicação ao trabalho. Coisa rara, pelo menos, no período ordinário.

Por isso, está decidido que trabalharão em período extraordinário. A convocação para julho, depois de reivindicada e devidamente combinada, parte da iniciativa do Executivo, dando-lhe assim o direito de definir a pauta: as reformas de sempre, que já custaram ao erário público uma fortuna. Antes, o Partido dos Trabalhadores, na oposição, ganhava para ser contra sistematicamente; agora, é o partido que sustenta as mudanças, apesar de alguns coerentes recalcitrantes, modernamente chamados de radicais.

Nada demais em trabalhar durante o mês de julho. Aqui na planície, todos os fazem sem descanso. O problema é que os parlamentares, para esse pequeno esforço em benefício da nação, beneficiam primeiro o próprio bolso: ganham dobrado. Melhor dizendo, triplicado. A convocação dos 513 deputados e 81 senadores da República custará aos cofres públicos R$ 15,1 milhões. Cada parlamentar, além do que já embolsa, ganhará dois salários extraordinários, no valor bruto de R$ 12,7 mil cada. Tudo somado, dá uma pequena fortuna: R$ 38,16 mil num único mês. Bem mais de mil reais por dia corrido. As reformas, portanto, já começam no prejuízo. Some-se a isso outros cerca de R$ 15 milhões para pagamento dos serviços, também extraordinários, dos funcionários do Poder Legislativo.

Que as reformas são importantes para o País, isso todos sabem desde o primeiro reinado de Fernando Henrique Cardoso. Quanto mais elas se arrastam, mais importantes ficam, devido ao descompasso entre a realidade e as velhas práticas previdenciárias ou tributárias, todas remendadas. O que se questiona não é isso. Deve-se perguntar se já não é tempo de reformar esse sistema que dá a políticos e outros privilegiados da República um ano de trabalho diferenciado dos demais brasileiros, com dois períodos de férias – um na metade, outro no fim, mais longo, festivo e ensolarado. Não fossem as férias regimentais, não seriam necessárias convocações extraordinárias. Não havendo convocações extras, não haveria salário dobrado. E, seguramente, não haveria esse corpo mole, que sempre antecede, já em nome de santos, uma convocação extraordinária – exatamente para forçar a convocação.

Acrescente-se a esse quadro federal o fato de o mesmo procedimento se aplicar, à sua imagem e semelhança, em todos os legislativos estaduais e – porque ninguém é bobo ou inimigo do próprio bolso – em muitas câmaras de vereadores. Convocações extraordinárias, não raro, são usadas para pequenos acertos de conta entre as vontades menores dos ditos representantes populares (e suas contas bancárias) e aquelas ditas razões de Estado. Pela verdadeira valorização do Parlamento, guardião da democracia, o discurso e a prática deveriam caminhar em sentido contrário, com a supressão, inclusive, das férias atualmente existentes, tendo em vista que, com elas ou sem elas, cada final de semana (para lembrar a velha canção popular) é, sempre, feriado nacional… prolongado.

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