Contribuição ao debate sobre a Reforma do Poder Judiciário

A convite do Excelentíssimo Senhor Presidente da República e do Senhor Ministro da Justiça, Dr. Márcio Thomas Bastos, em Brasília e em diversas unidades da federação participamos, no ano em curso, ao lado dos professores doutores Luís Roberto Barroso, Aristides Junqueira e José Renato Nalini, de diálogos frutíferos como membro de comissão vinculada à Secretaria da Reforma do Poder Judiciário, sob a coordenação do Dr. Sérgio Rabello Tamm Renault.

Ao recebermos a convocação por meio do Ministério da Justiça de imediato nos colocamos à disposição dos afazeres inerentes à árdua tarefa de contribuir, com serenidade, ao debate sobre o acesso à Justiça e à modernização da prestação jurisdicional, englobando, nesse contexto, a magistratura, a advocacia e o Ministério Público.

Um dos horizontes de trabalho se voltou à identificação de dispositivos suscitados nas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 96/92 e 29/00 que eventualmente poderiam ser, desde logo, objeto de inserção no sistema jurídico pátrio por meio de norma infraconstitucional de iniciativa do Poder Executivo (art. 61, § 1.º, II, `b’ e `e’, CF/88). Sob essa perspectiva, entre outros aspectos, pode-se indicar o seguinte, preambularmente:

1. Juizados Itinerantes

Propõe a PEC 96/92, ao lado da PEC 29/00, a criação de Juizados Itinerantes, com o intuito da efetiva e adequada prestação jurisdicional tanto no âmbito da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, quanto na esfera do Poder Judiciário dos Estados, por meio de realização de audiências e demais funções jurisdicionais nos limites territoriais das respectivas competências.

Neste sentido, pode-se afirmar que, nada obstante a adoção dos respectivos Juizados Itinerantes detenha posição nuclear nas citadas propostas de emenda à Constituição, a introdução dos órgãos jurisdicionais in foco poderia ser objeto de proposta de lei ordinária, cuja iniciativa para proposição seria do Presidente da República, consoante artigo 61, § 1.º, II, `b’ da CF/88.

A princípio, não haveria, inclusive, qualquer óbice no concernente a competência legislativa acerca da criação dos Juizados Itinerantes no âmbito da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, pois a disciplina e organização judiciária dos referidos órgãos jurisdicionais é de competência exclusiva da União, exercida através de lei federal. Os Tribunais e as Justiças Estaduais, contudo, possuem a sua organização judiciária disciplinada exclusivamente pelas respectivas Constituições Estaduais, de maneira que não poderiam os Juizados Itinerantes Estaduais ser instituídos por meio de lei federal, mas tão somente por lei estadual, de iniciativa do Tribunal de Justiça competente (artigo 125, § 1.º).

2. Questões Agrárias

Com vistas a uma adequada prestação jurisdicional visando à resolução de conflitos fundiários, a PEC 96/92 propõe alteração na redação do artigo 126 da CF/88, o qual dispõe:

Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça designará juízes de entrância especial, com competência exclusiva para questões agrárias.

E a proposta de redação é a seguinte:

Para dirimir conflitos fundiários, o TJ proporá a criação de Varas especializadas com competência exclusiva para questões agrárias.

A instituição de Varas especializadas em ques-tões agrárias, com competência exclusiva para o processamento e julgamento de conflitos fundiários mostra-se, por evidente, necessária. A competência, contudo, para a criação das mesmas, ou para o estabelecimento de juízes de entrância especial (consoante o artigo 126 da CF/88 vigente) é dos Tribunais de Justiça dos Estados, de modo que a instituição destes órgãos julgadores não poderia ser objeto de lei ordinária federal, mas tão somente de normas estaduais, de iniciativa do Tribunal competente.

Pode-se cogitar a hipótese de que, caso fosse de competência da Justiça Federal o processamento e julgamento das questões que envolvessem conflitos agrários, bastaria a edição de uma lei ordinária para a instituição destas varas especializadas ou mesmo de juízes de entrância especial na esfera da Justiça Federal. Cabe averiguar o alcance que teria a medida restrita à Justiça Federal.

3. A extinção dos Tribunaisde Alçada Estaduais.

Outra proposição acerca das normas presentes nas PECs em tela advém da existência remanescente dos Tribunais de Alçada em alguns Estados da Federação.

A existência destes órgãos de apreciação em segundo grau de jurisdição no âmbito estadual se baseia no artigo 93, III, da CF/88.

A PEC 96/92 dispõe, no artigo 40, proposta no sentido da extinção e absorção dos TAs ainda remanescentes, pelos TJs estaduais.

Poder-se-ia sugerir a inserção de lei ordinária federal que promovesse a absorção dos TAs restantes pelos TJs, contudo, tal proposta pode ser obstada pelo fato de que a existência de dois (2) Tribunais de apreciação em segundo grau de jurisdição nos Estados é matéria de organização judiciária, cuja competência legislativa é dos próprios Estados federativos com iniciativa exclusiva dos Tribunais de Justiça.

Nesta perspectiva, caberia em tese, em última análise, como privativo encaminhamento para a extinção dos TAs estaduais, a edição de Emenda à Constituição. O tema de qualquer modo, já está posto na PEC.

Estes são os pontos que, por ora e de maneira não exauriente, podem ser apontados à proposta inicialmente formulada. Como se vê, não é tarefa singela essa a de localizar pontos da PEC suscetíveis de legislação infraconstitucional; nada obstante, as reflexões apresentadas constituem preliminar reflexão sobre a matéria nessa perspectiva.

Luiz Edson Fachin

é diretor e professor titular da Faculdade de Direito da UFPR; membro da comissão da Reforma do Poder Judiciário.

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