Antes de estabelecer estruturas societárias no Brasil, ou mesmo para descobrir o funcionamento do Mercado brasileiro antes de realizar substanciais investimentos, as sociedades estrangeiras celebram contratos com empresas brasileiras para distribuição de seus produtos ou até para a prestação de serviços específicos, bem como participam de atividades com o governo por intermédio de consórcio internacional.
Para instituições financeiras e fundos de investimento, por sua vez, as alternativas para o ingresso direto no Mercado nacional são os empréstimos sindicalizados (Syndicated Loans) e o chamado Project Finance. Trataremos a seguir desses instrumentos de ingresso no Mercado brasileiro sem investimento direto.
O contrato de distribuição, em suma, é uma forma de garantir uma relação comercial especial entre duas pessoas jurídicas, estabelecendo as condições dessa parceria. Uma das partes (normalmente um fabricante, um importador ou um atacadista) garante condições mais favoráveis à outra, a saber, o distribuidor ou empresa distribuidora (geralmente um estabelecimento varejista), seja em relação ao preço, seja em relação às condições de pagamento, com o fito de viabilizar a distribuição dos seus produtos.
No contrato poderão, inclusive, ser adotadas metas de vendas a serem cumpridas pelo distribuidor. Duas importantes questões devem ser observadas no momento de elaboração do referido contrato de distribuição: (i) o prazo de duração da parceria e (ii) a existência ou não de exclusividade. O prazo de duração do contrato deverá ser estabelecido de forma a permitir ao distribuidor o ressarcimento dos investimentos por ele efetuados para a realização da referida parceria.
A questão da exclusividade, por sua vez, deverá ser muito bem discutida entre as partes. Caso exista a intenção de não permitir que o distribuidor revenda produtos de outras marcas ou de outros fabricantes, importadores ou atacadistas que concorram com aqueles que forem objeto do contrato de distribuição, tal cláusula deverá ser expressa, ou seja, escrita no contrato.
Sendo fixada a obrigatoriedade da exclusividade por parte do distribuidor, também deve haver a proibição do fabricante, importador ou atacadista em estabelecer outros canais de vendas na região de atuação do seu distribuidor, seja por meio de vendas diretas, pela contratação de representantes comerciais ou pelo estabelecimento de contratos de distribuição com outras empresas varejista na referida região geográfica.
No consórcio, duas ou mais sociedades se reúnem para executar determinado empreendimento, mantendo sua individualidade. Trata-se de prática bastante comum no Brasil, especialmente para a realização de grandes obras públicas (sobretudo de engenharia).
Cabe ressaltar, no entanto, que mesmo não havendo vínculo maior entre as partes (como participação societária, por exemplo), haverá solidariedade entre as empresas consorciadas pelos atos praticados pelo consórcio, nos casos de participação em licitações e/ou contratos assinados com órgãos públicos.
A formalização do consórcio ocorre através da assinatura do respectivo contrato, que deverá ser registrado perante a Junta Comercial da sede do consórcio. Em caso de consórcio para uma licitação pública, a Lei de Licitações (Lei 8.666, de 21 de junho de 1993) dispõe que sua representação se dará por empresa brasileira.
De acordo com a legislação brasileira[1], o consórcio não possui personalidade jurídica – ainda que o arquivamento de seus atos constitutivos perante a Junta Comercial seja compulsório, e ele esteja legalmente obrigado a registrar-se perante o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (“CNPJ/MF”).
Disso tem-se que cada uma das partes responde pelas obrigações por elas assumidas através do respectivo contrato de consórcio, devendo o consórcio, no entanto, assumir em seu nome todas as obrigações relativas ao seu objeto.
Para atingir seus objetivos, o consórcio assume individualmente obrigações perante terceiros, obrigações essas que serão arcadas individualmente pelas partes consorciadas de acordo com as disposições do contrato de consórcio.
A Lei das Sociedades Anônimas estabelece[2] determinadas disposições obrigatórias ao contrato de consórcio, dentre as quais destacamos: (i) definição do objeto; (ii) definição das obrigações de cada uma das partes; (iii) administração do consórcio; (iv) contribuição de cada uma das partes para o empreendimento conjunto (as partes deverão mencionar no contrato os recursos aportados por cada uma delas – em dinheiro, bens ou direitos – para a realização das atividades do consórcio), etc.
Os Empréstimos Sindicalizados proporcionam uma estrutura de repagamento e garantias adaptado às características do tomador, e são indicados para as empresas que precisam de grandes volumes de recursos para financiar seus projetos.
O processo consiste na estruturação e distribuição de operações de crédito compartilhadas por vários bancos de credores, pulverizando o risco operacional entre os participantes, mas sem perder a interlocução única com o coordenador líder.
Entre as vantagens para a empresa envolvida estão: (i) estrutura tailor-made (diferentes instrumentos, moedas, prazos, garantias e representações); (ii) due dilligence simplificado; (iii) abertura de novos relacionamentos bancários; (iv) maior exposição da empresa no mercado financeiro internacional; (v) melhora na percepção de crédito; e (vi) contrato único e coordenado por um único banco.
Entre as vantagens para os bancos e/ou credores envolvidos estão: (i) ferramenta de Gerenciamento de Risco (administração do limite de crédito e garantia financeiros); (ii) oportunidades de cross-selling (Produtos de BI, Cash Management); e (iii) maior eficiência no uso do capital (fees, alavancagem e limites).
O Project Finance consiste numa estruturação financeira visando viabilizar um determinado projeto de investimento. Em alguns casos é criada uma sociedade de propósito específico, isolando o projeto dos acionistas. Esta estrutura tem sido utilizada principalmente em projetos de infra-estrutura, devido à existência de um fluxo de receitas previsível.
A idéia de viabilizar um projeto de telefonia, energia ou concessão rodoviária através de Project Finance visa essencialmente o isolamento entre o risco do projeto e o risco dos acionistas. Dessa forma, no Project Finance puro, não é solicitada nenhuma espécie de garantia e aporte de recursos próprios dos empreendedores – o que não têm acontecido na prática. Em uma estrutura de Project Finance, os credores (que são quem incorrem nos maiores riscos) necessitam que os empreendedores do projeto apresentem mitigados todos os riscos dele inerentes, para que nada dê errado.
Assim, por exemplo, os empreendedores precisam garantir que o fornecedor entregue o equipamento na data marcada, que o fluxo de veículos que passa por um pedágio seja aquele projetado ou que uma determinada termelétrica tenha um contrato de venda da energia por ela gerada a um preço pré-determinado durante a vigência do financiamento, etc.
Um Project Finance não faz com que um projeto ruim se torne bom e nem o contrário; o que ele garante é uma maior tranqüilidade para o empreendedor e para o próprio credor, pois não existe uma garantia mais líquida do que os recebíveis do projeto para garantir o pagamento das prestações do financiamento.
Além disso, modelar um Project Finance custa caro, devido à necessidade de contratação de consultorias e de advogados especializados que possam dar aos investidores e aos credores tranqüilidade, confiabilidade e transparência nos estudos, projeções, confecção dos contratos e na própria implantação e acompanhamento do projeto.
Para que o fluxo de receita garanta o pagamento dos juros e das amortizações do financiamento, é criada uma conta em um banco chamado de trustee. Por essa conta, denominada escrow account, passarão as receitas do projeto num primeiro momento, sendo acumulado o montante de recursos suficiente ao pagamento de algumas prestações futuras do financiamento, para que depois os recursos sejam disponibilizados para a empresa.
Ao contrário dos financiamentos tradicionais, o Project Finance possui algumas facilidades, tais como: (i) a idéia do projeto se auto financiar e se autopagar; (ii) menor comprometimento de recursos próprios dos acionistas; (iii) não prestação de garantias reais e pessoais; (iv) balanços dos empreendedores menos endividados; (v) transparência sobre os resultados do projeto; (vi) liquidez das garantias prestadas ao credor; entre outras, o que pressupõe sua maior utilização no futuro.
Notas:
[1] § 1º do art 278 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976
[2] § art 279 da Lei 6.404/1976
Ana Carolina Rovida de Oliveira é sócia do escritório de Direito Empresarial Almeida Advogados – acoliveira@almeidalaw.com.br