O desenvolvimento das técnicas e a extensão do poder de alcance da mídia são dois dos fenômenos mais notáveis dos tempos modernos. Dentro desta nova perspectiva, indubitável o fato de o noticiário esportivo ocupar lugar de destaque nos meios de comunicação. Diariamente, o desporto é noticiado e discutido em todos os principais jornais e redes de televisão do País. Não raro, é objeto de inflamadas e exaustivas discussões. Inegável, pois, que os atletas profissionais são personagens ativos nesta era da comunicação digital, marcada pela mercantilização da imagem. Em que pese esta superexposição – tanto de informações quanto dos atletas – a questão que ora se coloca em análise ainda gera inúmeras dúvidas, seja pelo desconhecimento daqueles que a noticiam, seja pela inércia dos estudiosos em atuar de forma mais ativa na consolidação de conceitos.
A falta de produção doutrinária e jurisprudencial acerca dos temas jurídicos associados ao desporto e as repetidas alterações na legislação que o regem contribuem para a multiplicação de entendimentos desencontrados e opiniões infundadas. Tal situação é agravada pelo não reconhecimento do Direito Desportivo como ciência jurídica autônoma – ainda que esta autonomia esteja próxima. Diz-se isto em virtude da dificuldade de aplicação de fatos e conceitos de outros ramos do Direito às situações ligadas ao esporte, principalmente em se tratando do futebol.
Grande confusão tem sido observada quando se colocam em pauta os temas que dão título a este estudo. Por este motivo, imperiosa a análise deste intrigante tema, mormente no que diz respeito aos reflexos na relação de trabalho existente entre atletas profissionais de futebol e associações de prática desportiva.
1. Do Contrato de Licença de Uso de Imagem
Debrucemo-nos, primeiramente, sobre os contratos de licença de uso de imagem para, ao final, estudar a relação entre estes e os de trabalho.
Saliente-se, em primeiro lugar, a nomenclatura por nós adotada. Explico. Muito se tem observado o emprego errôneo de expressões como “Contrato de Imagem” ou “Contrato de Cessão de Imagem”. Nos parece que a expressão correta seja mesmo Contrato de Licença de Uso de Imagem porque o titular apenas concede o exercício do direito de exploração e não o próprio direito. Também, não podemos falar em “Contrato de Imagem” porque ela, a imagem, não é o objeto do contrato, mas, sim, sua licença para uso e, finalmente, não nos parece adequado falar em “cessão” porque o sujeito ativo não está cedendo a imagem a ninguém, apenas está autorizando sua exploração e veiculação. Na cessão, verificamos o abandono – total ou parcial – do direito que pertence a um determinado titular. Na licença, por sua vez, observa-se tão-somente a concessão de uma permissão para a exploração da imagem, sem que a titularidade seja turbada.
A imagem, bem jurídico cuja proteção encontra-se garantida pela Carta Magna em seu artigo 5.$, incisos V, X e XXVIII, alínea a, possui algumas características peculiares. Além de direito personalíssimo, é absoluto (oponível erga omnes), insdisponível (não pode dissociar do corpo humano), indissociável (por menos que a pessoa aprecie sua imagem não há como mudá-la) e imprescritível, podendo ser objeto de contrato entre pessoas físicas e jurídicas. Segundo Pontes de Miranda, é “todo tipo de representação da pessoa”.
O objeto do contrato é a autorização para a exploração da imagem do atleta, sendo que o bem jurídico protegido é o limite ao uso da imagem. Por outro lado, no do contrato de trabalho, temos que o objeto é a prestação de atividade física ou intelectual, sendo a dignidade humana o bem resguardado. Ainda que os objetos sejam diferentes, estes dois contratos encontram-se bastante interligados.
No esporte, a exploração da imagem dos atletas é uma realidade. Isto porque, além de serem pessoas públicas de grande destaque na mídia, há enorme interesse em associar a imagem do clube ou de um evento à imagem do atleta vencedor. Não há dúvida de que os atletas são verdadeiros artistas e, por serem estrelas de um mundo milionário, sua exploração comercial é mais do que natural.
Financeiramente, a comercialização da imagem de um atleta agrega vantagens e desvantagens. As vantagens podem ser observadas em vários meios. Para o clube, significa a identificação do ídolo com a entidade o que, em longo prazo, pode arrebanhar torcedores. Para o atleta, a comercialização representa nova fonte de grandes receitas. Para os patrocinadores, a imagem do ídolo pode significar um estímulo ao consumo de determinado produto e, finalmente, para terceiros, porque aumenta a oferta de produtos no mercado, pois, com o aumento do interesse na veiculação da imagem, mais produtos serão comercializados. Como desvantagem, pode-se dizer que a simples utilização não autorizada da imagem pode gerar pedidos de reparação de danos morais e patrimoniais.
Na prática, tem-se verificado significativo crescimento do comércio da imagem dos atletas e, em assim sendo, estudo mais pormenorizado se faz necessário.
Os atletas, ao firmarem seus contratos, podem, se assim lhes convier, licenciar o direito de exploração de sua imagem à agremiação para a qual irão atuar. Entretanto, ao contrário do que muitos possam pensar, a imagem do atleta não está, obrigatoriamente, vinculada à do clube. O aumento do interesse econômico sobre este direito personalíssimo permite ao seu titular a maximização de receitas, desde que tomadas as medidas adequadas e escolhido o instrumento contratual apropriado. Em existindo a intenção de permitir a exploração de sua imagem, as partes celebram um contrato, que pode ser a título gratuito ou oneroso, devendo, sempre, respeitar a forma escrita. Ainda, deve, explicitamente, ajustar quais os limites do acordo, estipulando o prazo de validade, a finalidade, a remuneração e a exclusividade. Por ser direito personalíssimo de seu titular – o atleta – o contrato de licença pode ser rescindido a qualquer tempo, sendo as perdas e danos apurados na esfera cível. O limite de multa a ser aplicada em virtude da rescisão antecipada apenas do contrato de licença de uso de imagem regular-se-á pelo artigo 920 do Código Civil, isto é limita-se ao próprio valor do contrato (“O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder da obrigação principal”) Vale lembrar que a entidade de prática desportiva pode pagar o atleta e não utilizar sua imagem para nada, isto é, ao remunerar o profissional, o clube não está automaticamente vinculado à utilização da imagem do jogador em campanhas de publicidade e/ou produtos. Pode simplesmente pagá-lo com o intuito de que outro clube não utilize a imagem do mesmo atleta.
Luiz Antonio Grisard
é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, Pós-graduando em Administração Esportiva pela Universidade do Esporte (PR), membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). E-mail: luizgrisard@mps.com.br