Pela segunda vez, em menos de um mês, o governo abre as burras e autoriza gastar mais do que o previsto. Diz que isso é normal porque arrecadou mais do que esperava e, portanto, pode gastar mais do que o programado. A liberação se dá num montante que supera um bilhão e meio de reais. Sabe-se quando gastar a mais, mas não se sabe de quanto foi o total da arrecadação, que aconteceu – segundo jura o governo – por conta da Medida Provisória 66, que abriu espaço para que empresas e fundos de pensão pagassem suas dívidas tributárias em atraso, com anistia de multas.
Ao anunciar a liberação dos gastos, o secretário do Tesouro, Eduardo Guardia, disse não ver problema algum na autorização do aumento das despesas, já que houve aumento de arrecadação. O aumento da despesa, segundo frisou, é feita de forma “consistente e responsável com a meta”. O governo pode dizer o que quiser e o contribuinte pode imaginar o que melhor lhe aprouver. E imediatamente assalta a todos a idéia de que o desaperto no cinto tem a ver com a eleição em curso. A primeira liberação antecedeu o primeiro turno; agora, pavimenta o caminho para o segundo turno. E isso contradiz com o que o presidente Fernando Henrique Cardoso em pessoa afirmou logo após certificar-se da classificação de seu candidato para a segunda rodada: não usar a máquina governamental para interferir na escolha dos eleitores. O uso da máquina, afinal, pode ser tão sutil quanto técnica. E, às vezes, nem sequer percebe-se que funciona.
O que intriga é saber que o aumento da arrecadação decorre de um ato nem sempre considerado correto: a anistia de multas ou partes da dívida. O método pode gerar efeitos imediatos no caixa, mas na outra ponta funciona como um estímulo à sonegação e à inadimplência. É assim com impostos e com as contribuições sociais. Quem paga corretamente o que deve para o governo não vê premiado, assim, seu esforço para estar em dia. A indulgência, nesses casos, pode confundir-se com favorecimento. A regra deveria sempre ser clara e geral.
Além do aspecto relativo à indulgência concedida, há outro a considerar: as bondades de Brasília acontecem num período em que é completamente imprevisível nossa conjuntura econômica, agitada pela especulação internacional, em decorrência de nossas contendas eleitorais. A escalada do dólar não dá tréguas e submete o governo a gastos não previstos nos acertos de sua dívida, sempre maior e recheada de juros altos. Arrotar folga de caixa nesse contexto é fazer concorrência com velhas piadas, nas quais, segundo a lenda, nem brasileiro acredita.
Os contribuintes que foram convocados para sucessivos esforços extraordinários durante os dois governos de FHC – que soube, como ninguém, arrecadar – numa eventualidade de equilíbrio como essa anunciada, gostariam de participar também dessas “bondades” oficiais, pagando menos ao governo. Não vendo o governo gastar mais, principalmente sob a suspeita de estar fazendo isso por motivos eleitorais.