Quanto ganha, de fato, um deputado? Essa conta, embora devesse ser simples, exige uma séria investigação. Ela acaba de ser pedida pelo representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, o procurador-geral Lucas Rocha Furtado. Ele encaminhou ao presidente do TCU uma representação pedindo uma auditoria na chamada ?verba indenizatória? dos deputados federais. A Câmara Federal paga a cada mês aos deputados R$ 7,69 milhões, o que dá R$ 92,3 milhões por ano. Cada legislatura de quatro anos custa R$ 369,3 milhões. E isso por enquanto, pois de subsídios mesmo, remuneração pelo exercício do mandato, o deputado ganha R$ 12.847,00, valor que nas próximas semanas sobe para R$ 16.250,00. Não é demasiado para um deputado que seja ativo e dedicado à causa pública. De qualquer forma, um absurdo se compararmos com o que ganha um trabalhador e um escândalo se cotejado com o salário mínimo.
Acontece que o deputado recebe ainda uma porção de mordomias e mais R$ 15.000,00 mensais como verba indenizatória. Seria dinheiro para o ressarcimento de despesas relacionadas ao exercício do mandato. Nada tem a ver com os subsídios. É uma bolada a mais, redondinha e que pode ser maior que as despesas feitas. Ou servir para que o deputado a embolse como se fosse dinheiro seu. Tem obrigação de prestar contas mostrando com notas e recibos onde o gastou e que foi em despesas relacionadas com a sua atividade parlamentar. Todo mundo sabe, mas ninguém confessa, que há deputados, e não poucos, que juntam notas frias de gasolina e outras para justificar gastos dentro da verba dos R$ 15.000,00.
O que levou o procurador a pedir a investigação foi uma denúncia da imprensa dando conta de que em janeiro, mês de férias para os deputados, 15% da tal verba indenizatória aparece como gastos com ?divulgação do mandato parlamentar?. A representação do Ministério Público dá vários exemplos, dentre eles o do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves. Ele diz que usou o dinheiro para pagar pela publicação de textos do seu assessor de imprensa num jornal do Rio Grande do Norte. Indagado, o deputado tentou justificar-se dizendo que ?tem contrato, tem recibo, tudo direitinho do jornal Tribuna do Norte, tem recibo guardado, tudo direitinho?. Mas não tardou em desmentir-se acrescentando: ?Não é um contrato formal. Eu pago e eles dão recibo?. E deu um exemplo da qualidade do ?jornalismo? que estaria pagando com o dinheiro do povo: ?Quando fui presidir a eleição da Câmara, publicamos uma página inteira, uma foto nossa, tenho dez mandatos. Tô no décimo mandato, aí fizemos uma página no jornal muito bonita?.
O procurador-geral no TCU considera que ?à primeira vista, essa prática causa estranheza, pois representa a utilização de dinheiro público no custeio de publicação de matérias que beneficiam diretamente determinados deputados. Esse tipo de procedimento finda por produzir uma vantagem eleitoral descabida. É como se a Câmara estivesse financiando, antecipadamente, a campanha de deputados com mandato?.
O artigo 37 da Constituição Federal veda o uso de verbas públicas na ?promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. O que tem ocorrido, isso sim, é o uso da aludida verba indenizatória para a propaganda pessoal do deputado. É a compra do espaço na mídia – às expensas do contribuinte – para projetar a imagem do parlamentar?, conclui o procurador-geral. O TCU vai investigar as contas dos deputados, mas há que se ficar com um pé atrás: alguns dos ministros do tribunal foram deputados federais e é aquela história: ?Corvo não come corvo?.