A questão da prova ilícita e a possibilidade de sua utilização no processo é tema relevante. Observa-se a tendência de considerar que a prova ilícita no processo civil deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade. Tal princípio, de índole constitucional, presta-se a solucionar o conflito entre a proibição da prova ilícita e algum outro princípio constitucional.

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Verifica-se que a proibição constitucional da prova ilícita não é absoluta, pois num caso concreto tal princípio pode ser afastado quando em confronto com outro. Através da técnica da ponderação, levar-se-á em consideração os bens juridicamente tutelados, que estão em conflito no caso concreto, prestigiando o valor jurídico mais relevante.

Na ponderação de interesses, verificar-se-á a mínima restrição possível a cada bem jurídico tutelado, para salvaguardar o bem jurídico contraposto, com a utilização, portanto, do princípio da proporcionalidade.

Assim, essas restrições não devem ir além do necessário para a solução do conflito, sendo que as variáveis fáticas do caso concreto é que vão determinar o peso específico de cada princípio em confronto, mostrando-se, portanto, essenciais para o resultado da ponderação.

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O principal critério substantivo encontra amparo no princípio da dignidade da pessoa humana. Tal princípio representa o vértice axiológico da Constituição, visto que o homem é o fim último da ordem constitucional.

No direito brasileiro, antes da Constituição de 1988, havia duas correntes doutrinárias a respeito da admissibilidade processual das provas ilícitas, predominando a que defendia a admissibilidade, especialmente no direito de família.

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Os adeptos da teoria da admissibilidade prestigiavam a busca da “verdade real”, não importando o meio pelo qual a prova pudesse ser obtida, de forma que, num eventual conflito entre o direito à intimidade e o direito à prova, o primeiro, que está entre as liberdades públicas, deveria ceder. A ponderação, portanto, pendia em favor do princípio da investigação da verdade, ainda que baseada em meios ilícitos.

Posteriormente, chegou-se à conclusão de que a essência da verdade nunca poderá ser atingida, por não ser possível reconstruir os fatos pretéritos da mesma forma como se passaram, de modo que passou a predominar a teoria da inadmissibilidade da prova ilícita. No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, a vedação à prova ilícita passou a ter previsão expressa, conforme o seu art. 5.º, inciso LVI.

Contudo, essa posição não deve ser entendida em termos absolutos, tendo em vista que vigora, nos países filiados à proibição das provas ilícitas, inclusive no Brasil, a teoria da proporcionalidade.

O texto constitucional parece não admitir qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita. Entende-se, porém, que a regra não pode ser absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Será necessário o confronto entre os bens jurídicos constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito.

O entendimento da jurisprudência brasileira tem sido no mesmo sentido do entendimento doutrinário, levando em conta os bens conflitantes no caso concreto sempre à luz do princípio da proporcionalidade.

Esse posicionamento é corroborado pela decisão do Tribunal Superior do Trabalho, de relatoria do Ministro João Oreste Dalazen, em Recurso de Revista:(1)
Não há vulneração ao princípio que assegura a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meio ilícito (inciso LVI do artigo 5.º da Constituição Federal), por isso que, sendo o e-mail corporativo propriedade da Empresa, meramente cedido ao Empregado para fins corporativos, o Empregador poderá exercer tanto o controle formal como material (conteúdo) das mensagens que trafegam pelo seu sistema operacional.

Atualmente, a doutrina e a jurisprudência dominante no Brasil posicionam-se de forma contrária à admissibilidade das provas ilícitas, mas temperam tal entendimento pela teoria da proporcionalidade.

Com efeito, o princípio da proibição da prova ilícita não é absoluto até porque, reitere-se, não existe nenhum direito fundamental absoluto podendo ceder, quando em colisão com outro direito fundamental de maior peso, no caso concreto.

Assim, muitas vezes a interpretação restritiva da norma não é a mais adequada para se atender aos direitos em conflito. Com efeito, a doutrina tem interpretado o dispositivo constitucional à luz do princípio da proporcionalidade, a fim amenizar o rigor de tal norma, sendo que tal princípio deverá estabelecer os interesses veiculados no processo, as prioridades, a necessidade, a adequação, bem como a prática da menor restrição para atingir o objetivo da justiça.

Nesse sentido entende o eminente professor Nelson Nery Junior(2), que tanto no processo penal, quanto no processo civil é perfeitamente possível que o bem jurídico tutelado supere o bem jurídico privacidade.

Vislumbram-se algumas hipóteses em que, a partir da análise do caso concreto, torna-se possível, excepcionalmente, a utilização da prova ilícita no processo, como, por exemplo, casos especiais de destituição de poder familiar, investigação de paternidade ou ações coletivas.

Pode-se admitir, nesses casos, a prova ilícita, pois o bem jurídico a ser protegido é mais relevante do que o bem jurídico que se admite sacrificar, justificando a sua utilização.

Notas:

(1) BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR 613/2000-013-10.00.7 Ac. 1. T., 18/5/05.
(2) NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7.ª ed. São Paulo: RT, 2002. p. 157-172.

Adriana Martins Silva é advogada na área empresarial. Especialista em Direito Processual Civil pelo IBEJ. Integrante do Grupo de Pesquisa Tutela dos Direitos de Personalidade na Atividade Empresarial: Os Efeitos Limitadores na Constituição da prova Judiciária, sob a coordenação do professor e orientador Luiz Eduardo Gunther pelo Centro Universitário Curitiba Unicuritiba.