1. Conceito
Oreste Nestor de Souza Laspro conceitua o duplo grau de jurisdição nos seguintes termos: “Sistema jurídico em que, para cada demanda, existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecendo sempre a segunda em relação à primeira”.(1)
2 – Previsibilidade Constitucional
O princípio do duplo grau de jurisdição, inicialmente previsto na Constituição Imperial, promulgada em 1824, assegurava o duplo grau sem qualquer restrição, conforme disposto em seu artigo 158.(2)
A partir da Constituição Republicana de 1891, o princípio passou a sofrer algumas limitações, sendo que na atual Constituição, foram excluídas da apreciação em instância superior algumas decisões do Tribunal Superior Eleitoral, tornando-se irrecorríveis, conforme se percebe no artigo 121, §3º da Constituição Federal e, com o advento da Lei nº 10.352/2001, isto também se verifica(3).
José Frederico Marques afirma que este princípio não está consagrado constitucionalmente, podendo o legislador ordinário derrogá-lo em hipóteses especiais, deixando sem recurso para a justiça de segundo grau, algumas causas ou litígios, ou que dê, para outras, competência originária a tribunais superiores, suprimindo, assim, a instância inferior.(4)
Por outro lado, Nelson Nery Junior, entendendo de forma diversa, assegura que o duplo grau de jurisdição, enquanto princípio, está previsto na Constituição Federal, embora não tenha incidência ilimitada, não podendo lei infraconstitucional suprir recursos pura e simplesmente.(5)
Entretanto, admite que, para melhor aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição, existam algumas leis que restringem o cabimento de recursos, como, por exemplo, a Lei de Execuções Fiscais e a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.(6)
Tais posições são importantes, posto que, caso se entenda que o princípio não se encontra constitucionalmente assegurado, a legislação infraconstitucional poderá, validamente, produzir restrições ao duplo grau de jurisdição. Entretanto, caso se firme entendimento de que o princípio do duplo grau encontra-se implicitamente assegurado na Constituição Federal, não poderão ser aceitas quaisquer limitações a revisibilidade das decisões.
De qualquer forma, prevalece no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio do duplo grau de jurisdição, não obstante a Constituição Federal não o tenha assegurado expressamente(7).
3 – Conveniência da Supressão do Duplo Juízo nas Causas de Maior Simplicidade
A demora da prestação jurisdicional, um dos grandes males do processo civil moderno, recomenda que o duplo grau não seja exigido ao menos nas causas de maior simplicidade, onde dificilmente o órgão de segundo grau tomaria decisão diversa da que foi tomada.
Tem-se que hoje os recursos transformaram-se em meio meramente protelatório. Desta forma, deve a doutrina voltar sua atenção àquelas demandas mais simples, onde a previsão de um juízo repetitivo sobre o mérito só viria a beneficiar quem não tem razão. É evidente que a insegurança que vem tomando conta de nosso judiciário que impede à busca da segurança jurídica, não pode retirar do processo sua efetividade, até porque não se concebe um ordenamento jurídico sem instrumentos processuais adequados e efetivos.
Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni: “nas causas de maior simplicidade não há razão para se insistir em um duplo juízo sobre o mérito”.(8)
E continua: “Se o duplo grau dilata o prazo para a prestação da tutela jurisdicional, não há dúvida de que a falta de racionalidade no uso do duplo grau – ou a sua sacralização – retira do Poder Judiciário a oportunidade de responder mais pronta e efetivamente aos reclamos do cidadão”.(9)
4 – Perspectivas Atuais do Duplo Grau de Jurisdição
No processo civil de hoje, tem-se que o duplo grau de jurisdição não é direito constitucional e que sua supressão não significaria a renúncia das garantias fundamentais das partes.
Atualmente, prima-se pelos procedimentos orais, os quais são o caminho mais seguro para que se atinja a verdade real dos fatos, e neste diapasão, o princípio do duplo grau de jurisdição praticamente o neutraliza, visto que a decisão de segunda instância, com natureza substitutiva, impõe um novo julgamento que, no tocante a matéria fática, baseia-se, exclusivamente nos termos processuais.
Assim, enquanto não existam provas veementes de que a segunda decisão prolatada seja melhor que a primeira, razão pela qual existe o duplo grau de jurisdição, não se pode simplesmente ignorar a excessiva duração dos processos, o que eleva os custos e desprestigia não somente o julgador de primeiro grau, que pode ter sua decisão reformada, bem como todo o Judiciário, que apresenta soluções díspares para a mesma demanda.
NOTAS:
(1) LASPRO, Oreste. Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil, p. 27.
(2) Art.158: “Para julgar as causas em segunda e última instância haverá nas províncias do Império as relações, que forem necessárias para comodidade dos Povos”.
(3) Esta recente Lei, de 26 de dezembro de 2001, teve por objetivo criar procedimentos mais ágeis e eficazes, dando maior rapidez à solução do litígio. Tal dispositivo mitigou a garantia do duplo grau de jurisdição, permitindo ao Tribunal julgar o mérito, quando o juiz de primeiro grau não o tenha apreciado no recurso de apelação, desde que se trate de questão exclusivamente de direito(artigo 515, §3º do CPC). Estando a causa pronta para julgamento, não existe motivo que determinasse o retorno dos autos ao juízo a quo, para que só então sobreviesse a decisão de mérito, e, ainda, com a possibilidade de, com novo recurso, a causa tornar ao mesmo tribunal que reformara a sentença terminativa. A priori, poder-se-ia pensar que tal princípio é inconstitucional, permitindo um julgamento per saltum, mas, como já explicitado no presente artigo, na ordem constitucional brasileira não há garantia do duplo grau de jurisdição. Este é encontrado na Carta Magna como princípio, mas não como garantia. Desta forma, tal importante modificação na redação do aludido artigo, não é inconstitucional, ao contrário, verifica-se a tendência do direito processual moderno de se voltar para buscar dotar de agilidade o processo, trazendo inovações que possibilitem tornar mais rápido o tramitar dos processos, tudo em nome do binômio rapidez/efetividade.
(4) MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Bookseller, vol. 1, 1997.
(5) NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 4ªed. São Paulo: RT, 1997.
(6) NERY JUNIOR, Nelson. Idem, ibidem.
(7) A Constituição Federal, prevendo o duplo grau de jurisdição assegura, por exemplo que os tribunais brasileiros terão competência para julgar causas originalmente e em grau de recursos, como se depreende numa análise comparativa dos arts. 102, II e III, 105, II e III, 108, II, CF).
(8) MARINONI, Luiz Guilherme, Novas Linhas do Processo Civil, p.147.
(9)MARINONI, Luiz Guilherme, Idem, ibidem.
Luiz Gustavo Corrêa
é advogado, militante no Paraná, Pós Graduando no Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos – IBEJ.