Em 1995 foram instituídos no Brasil os juizados especiais criminais (Lei 9.099/1995), para julgamento das chamadas infrações de menor potencial ofensivo (que hoje abarca todos os crimes e contravenções, punidos com pena não superior a dois anos). Foi um momento histórico para a denominada Justiça consensuada (ou Justiça do acordo). Vários paradigmas foram quebrados, nova mentalidade foi exigida, um novo modelo de processo foi criado. Dentre os objetivos da lei destacam-se: reparação dos danos em favor da vítima, agilização da Justiça, desburocratização do processo, imposição de sanções alternativas etc.
Justiça consensuada é um gênero que comporta quatro espécies: (a) Justiça reparatória (que se faz por meio da conciliação e da reparação dos danos); (b) Justiça restaurativa (que exige um mediador, distinto do juiz; visa a solução do conflito, que é distinta de uma mera decisão); (c) Justiça negociada (que se faz pelo plea bargaining, tal como nos EUA); (d) Justiça colaborativa (que premia o criminoso quando colabora consensualmente com a Justiça criminal).
Os submodelos de Justiça consensuada que acabam de ser elencados não tem similitude com a Justiça retributivo-protetiva instituída com a Lei Maria da Penha (lei de proteção da mulher em razão da violência de gênero). A Lei Maria da Pena (11.340/2006) afastou a possibilidade de aplicação da lei dos juizados (art. 41), ou seja, fechou as portas para o consenso dos juizados. Nessa mesma linha acham-se os crimes militares (que também se distanciaram do consenso). Até hoje cabe questionar essas decisões político-criminais. Por quê?
Porque o consenso, fundado na autonomia da vontade do acusado ou suspeito, apresenta-se como instrumento altamente apto para a agilização da Justiça, sem afetar, de forma inconstitucional, as garantias do sujeito. Claro que a pena de prisão deve ser banida do âmbito do consenso. Se de um lado a Justiça perde em poder de intimidação, de outro, ganha em rapidez (e a resposta rápida pode surtir efeito preventivo muito mais evidente que a pena de prisão, que nunca chega).
O caso mensalão (processo contra quarenta acusados, sendo vários parlamentares), que tramita no STF, constitui um bom paradigma (um bom argumento) em favor do consendo. Considerando-se as limitações legais assim como os delitos imputados, somente um dos acusados podia solucionar o confito mediante consenso (Silvio Pereira). E assim foi feito. Conclusão: é o único que está cumprindo as penas impostas (por consenso).
E os demais réus? Continuam torcendo para que o processo demore o mais possível, até chegar a prescrição.
A mudança de paradigma (do conflito para o consenso) traz consigo novos horizontes: da pena de prisão se passa para as penas alternativas; da espera do trânsito em julgado final (que demora anos) passa-se para o cumprimento imediato das sanções; do escopo puramente prisional passa-se para o reparatório (mais vale a reparação dos danos que uma possível e improvável cadeia); do processo clássico burocratizado (inquérito policial, denúncia, provas, sentença, recursos etc.) passa-se ao processo célere; das medidas cautelares pessoais (prisão preventiva) passa-se a dar prioridade para as medidas cautelares reais (apreensão de bens, indisponibilidade de bens etc.).
No Brasil temos que apostar (e jogar mais energia) nesse modelo consensuado de Justiça. Já temos em funcionamento o submodelo reparatório (Juizados criminais). Faz falta uma disciplina legal sobre a Justiça restaurativa (mediação). Vale a pena introduzir no nosso país a Justiça negociada (com alguns cuidados), servindo a suspensão condicional do processo como instrumento para se alcançar esse objetivo.
Uma ampla reformulação merece esse último instituto citado: suspensão condicional do processo. Hoje só é admitida quando a pena mínima não supera o limite de um ano. Isso tem que ser alterado. Um passo ousado poderia ser dado: todos os crimes não violentos deveriam admitir a suspensão condicional do processo, ampliando-se o leque de sanções alternativas possíveis.
Considerando-se a quantidade de processos em andamento no Brasil (mais de 60 milhões) não vemos outra saída para o descongestionamento da máquina judiciária brasileira que não seja a via do consenso. É por esse caminho que temos que trilhar, conciliando sua eficiência com as garantias do Estado constitucional e democrático de Direito.