Busto de Cícero
Oh tempos, oh costumes!
Uma das mais famosas frases de todos os tempos, foi pronunciada há mais de 2000 anos por Cícero, ao discursar perante o Senado de Roma começando a destruir uma tentativa de golpe de estado contra a República.
Cícero tinha confirmado os seus dotes oratórios quando sete anos antes, em 70 a.C., havia conseguido que o corrupto governador da Sicília Caio Verres fosse demitido do seu cargo, mas agora enquanto cônsul de Roma o caso era mais grave.
A conspiração contra o Senado dirigida por Lúcio Sérgio Catilina, candidato vencido ao cargo de cônsul nas eleições de Julho de 64 a.C. assim como nas de 63, lugar-tenente de Sila durante a ditadura deste, antigo governador da província de África, amigo de Júlio César e de Crasso, os dois dirigentes do Partido Popular em Roma, tinha começado em Setembro de 63 a.C., após a realização das eleições e já havia provocado reações de Cícero e do Senado, mas o chefe da conspiração havia conseguido até aí não ser incriminado.
Na noite de 6 para 7 de novembro Catilina reuniu novamente os dirigentes da conspiração para tomarem as últimas decisões antes da nova tentativa de golpe, mas Cícero foi informado da reunião e das decisões aí tomadas e decidiu convocar o Senado para o Templo de Júpiter Estátor para o dia seguinte.
Quando o chefe da conjura apareceu na reunião, Cícero ficou tão indignado que se dirigiu diretamente a Catilina, acusando-o violenta e diretamente, no primeiro de quatro célebres discursos – as Catilinárias -, que acabaram por convencer o incrédulo Senado da existência da conspiração e das culpas de Catilina.
Mas neste primeiro discurso Cícero sabia que por lei não poderia condenar, nem mesmo mandar desterrar, Catilina e por isso tentou que este saísse voluntariamente da cidade, o que de fato conseguiu.
Em meados de Novembro Catilina entrou em revolta aberta e acabou por ser condenado à morte pelo Senado em princípios de Dezembro, após um discurso de Cícero – a quarta Catilinária – mas tendo recusado entregar-se foi morto em Janeiro de 62 a.C. no campo de batalha de Pistóia, o que lhe valeu um elogio de Floro: “Bela morte, assim tivesse tombado pela Pátria.’
Tal discurso, o mais famoso de Cícero, foi usado como exercício escolar no ensino da retórica durante séculos, como é exemplo em Portugal a tradução do padre António Joaquim que teve três edições e que tem uma componente pedagógica muito importante. Mais direi ao final a respeito.
Em 2005 d.C., ao cair da tarde do crepúsculo de novembro, quando o calor escaldava e a chuva torrencial agredia as janelas, participamos da Banca de Exame de Qualificação de Daniela Benato Zanoni, juntamente com o também acadêmico Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier que, mercê da generosidade que emana, permitiu conviver com a Prof.ª Dr.ª Divanir Eulália Naréssi Munhoz, que ainda não é confreira, o que esperamos para breve.
O tema escolhido para a pesquisa é envolvente, tormentoso e convida à reflexão. Busca a mestranda encontrar os determinantes capazes de nortear o voto do povo brasileiro, em um estudo histórico a respeito do comportamento de políticos e eleitores.
Trouxe à colação o resultado preambular de pesquisa de campo, demonstrando que o tecido populacional de Ponta Grossa está dividido em 51,5% de mulheres e, portanto, 48,5% de homens.
A proposta de pesquisa é de um público de 400 eleitores, 208 mulheres e os demais homens; a partir de 16 bairros delimitados pelo IBGE no Censo de 2000. Os resultados são surpreendentes quando delimitados dentro de uma realidade factual, não se cingindo apenas a especulações e considerações meramente emocionais, face a facilidade dos patrícios alimentarem conjecturas sem contato com a realidade, em especial alguns que gravitam pela atividade política.
Algumas das questões postas em pesquisa são esclarecedoras (quando não estarrecedoras). Indagados a respeito do interesse por assuntos políticos, responderam 26,5% que não se interessam por política; ainda, 44,5% que se interessam pouco. A respeito de “gostar de política”, respondem 72,5% que não gostam de política.
Confessam que o veículo através do qual, dentre os pesquisados, 88,5% busca informações (e são convencidos a votar neste ou naquele candidato) é a televisão.
“Voto obrigatório”, eis a questão, 57,5% respondeu que não votaria caso o voto não fosse obrigatório. Com toda a discussão que está em pauta a respeito do Poder Executivo Federal aproximadamente 20% dos pesquisados sequer recorda em quem votou para presidente; 47% não recorda em quem votou para deputado federal; 51,5% não recorda em quem votou para deputado estadual e 63,5% não recorda em quem votou para senador.
Interessante que para governador “apenas” 36,5% não recorda em quem votou. Indagados a respeito de função de um senador, singelamente 63% respondeu que tal cargo “não faz nada”. Já quanto a atuação de um deputado federal, 54,5% respondeu que não sabe o que fazem (desculpem o trocadilho irresistível).
O cargo de governador sempre mantém uma melhor condição estatística, posto que “apenas” 31% desconhece qual é a função daquele; o que, comparado, a exemplo com o deputado estadual, com 49% de desconhecimento, parece sensivelmente diferente.
O prefeito municipal tem melhor situação, com 21% dos eleitores desconhecendo o que consiste a função, ou ainda, 35% desconhecendo qual a função de um vereador.
Dentre tantas questões relevantes apresentadas pela mestranda, ressaltam os fundamentos que questionam a atuação da mídia e das igrejas, a cultura, a corrupção eleitoral e a formação histórica do brasileiro para desaguar em tal resultado.
São muitos os dados, merecem ser apreciados, merecem estar disponíveis nas bibliotecas e na internet (a maior e mais democrática de todas as bibliotecas).
Depois da exposição da candidata veio a reflexão crítica, que me induziu a uma confusão teórica entre o significado da democracia representativa e o da representação de democracia.
A construção do conceito do que representa em nosso País a democracia representativa ou se ela representa alguma coisa do ideário, que deveria representar.
As perspectivas históricas, quando cotejadas, ainda que superficialmente, com o Canadá, onde os acidentes naturais permitem dizer que nascemos na terra prometida, quando lá venceram as adversidades e construíram um País, onde se pode dizer que há justiça social, através de igualdade de oportunidades e distribuição equilibrada de renda, levaram ao final dos trabalhos à indagação que não encontro resposta, qual seja, perguntar onde erramos historicamente para desaguarmos nos resultados que nos encontramos.
Outros dados contém o trabalho de Daniela Benato Zanoni, que merecem ser apreciados, os quais levam à necessária reflexão entre a realidade e o imaginário, entre quais deveriam ser as ferramentas da construção histórica de uma sociedade mais justa e igualitária, que, creio eu embora não saiba por quanto tempo é o desejo da ampla maioria; como buscar encontrar com a herança de nossos netos, pois sequer podemos acreditar que o tempo seja suficiente para deixarmos para nossos filhos.
O surrealismo entre a contestação do regime dito revolucionário recente, onde se pode verificar que grande parte do arcabouço da estrutura viária, de comunicação, de indústria pesada e tantos outros benefícios veio a ocorrer, frente a promessa da democracia de um Estado mais igualitário.
Visitei em Guelph, junto a Universidade local, um laboratório de desenvolvimento de produtos, um laboratório que serve à iniciativa privada, ao que parece, através de uma instituição que se assemelha a uma fundação, de forma independente, mas com total cooperação da comunidade universitária.
Lembrei-me que o polemico Golbery do Couto e Silva montou a estrutura de um centro de excelência de pesquisa e projetos em Campinas, onde mais de 400 quatrocentos doutores pesquisavam o desenvolviam produtos; hoje praticamente abandonada, com menos de 25% de pesquisadores e sua missão sensivelmente reduzida.
Diante do que já foi, histórica e sinceramente, o alicerce onde assentava a minha crença em uma sociedade mais justa, fico, neste momento, com o discurso da Osmar Serraglio, relator de uma das tantas CPIs, invocando o magistério de Cícero; eu, em relação a nós mesmos, quer quando atuamos como pensadores acadêmicos, quer como eleitores ou eleitos, quanto a frustração de nossas expectativas, quando já descrentes dos sonhos da mocidade.
Louvo-me em Cícero, substituindo Catilina pela Democraria: “Até quando, ó democracia, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura?
A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?
Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?…
…Oh deuses imortais! Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso? Em que cidade vivemos nós?…’ Em homenagem ao Prof. Dr. Sebastião Pinto da Cunha, que de memória deu-me o privilégio de ouvir em latim “a quarta Catilinária”.
J. S. Fagundes Cunha, da Academia de Letras dos Campos Gerais. Doutor em Direito pela UFPR. Juiz de Direito.