Conivência

Severino Cavalcanti decidiu renunciar ao mandato parlamentar. Dizem que a despedida foi comemorada com buchada de bode, comentário preconceituoso porque seria, em termos de gastronomia, um prato regional de segunda categoria. Não concordamos. Há que se respeitar a cultura nordestina. Buchada de bode é um bom prato. Ruim era o ex-presidente da Câmara Federal, representante do chamado baixo clero, grupo mais numeroso e de menor expressão no parlamento brasileiro. Ele chegou à presidência em razão de votos de protesto contra as imposições do Planalto e porque prometeu aos eleitores, deputados federais, um aumento de vencimentos polpudo, que seria pago com o dinheiro do povo. Sua atuação foi desastrosa. Pregou a pior das políticas, a do clientelismo, do nepotismo e outras práticas que deveriam desaparecer da nossa incipiente democracia.

Não foi cassado, mas certamente seria, se julgado pelo Conselho de Ética da Câmara. Afinal de contas, achacou dinheiro, quando secretário da Câmara, do empresário que, via terceirização, tocava um dos restaurantes da Casa. Isso ficou provado por cópia autêntica de cheque que foi sacado por uma sua secretária. Falta de ética parlamentar e crime.

Mas teria feito mais o pernambucano Severino Cavalcanti. Segundo o doleiro Toninho da Barcelona, em depoimento nas CPIs dos Bingos, dos Correios e do Mensalão, o PT pagou R$ 8 milhões nos meses de março e abril deste ano, em troca do apoio do então recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados.

A má fama do doleiro põe em dúvida a acusação, mas os antecedentes do renunciante fazem desconfiar que seja verdade.

O procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, com todo o seu peso de jurista e chefe do Ministério Público Federal, afirma que recebeu documentos de um órgão público que confirmam o envolvimento de Severino Cavalcanti no mensalinho, propina extorquida do empresário Sebastião Buani para que este pudesse continuar a explorar um dos restaurantes da Câmara. ?Recebi documentos que confirmam o envolvimento de Severino?, asseverou o procurador.

Severino renunciou afirmando que no ano que vem vai ser candidato e voltará à Câmara, o que será possível se continuar a tapear o seu eleitorado, embora a renúncia tenha sido comemorada em sua terra natal com um barulhento foguetório. E pode fazê-lo, beneficiando-se de uma falha da legislação brasileira, que só suspende os direitos políticos, por oito anos, de quem foi condenado e, por isso, perdeu o mandato. Quem renuncia, além de estar confessando tacitamente os crimes políticos e/ou comuns de que é acusado, ainda pode ser, se for o caso, e é o de Severino, ser processado criminalmente. Mas também pode voltar a ser candidato. A nossa Justiça, por motivos conhecidos, é lenta e propicia o benefício imerecido de uma nova candidatura, pela demora na prolatação da sentença final.

O destrambelhado presidente renunciado da Câmara tem o apoio de Lula. O presidente da República, em nota divulgada quarta-feira à noite, afirma que a decisão da renúncia foi de ?foro íntimo e deve ser respeitada?. Pelo contrário, deve ser condenada, pois é confissão tácita de culpa e manobra para escapar aos rigores da lei e voltar a ser deputado federal na próxima eleição.

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