Conheça os bastidores da prisão de Desábato

Duas decisões quase simultâneas, tomadas enquanto São Paulo e Quilmes jogavam o segundo tempo no Morumbi, resultaram na prisão do argentino Leandro Desábato. De um lado, Grafite, sentindo-se humilhado e envergonhado, deu sinal verde aos advogados do clube para que fosse apresentada queixa contra o jogador. Do outro, a alta cúpula da segurança do Estado, vendo as ofensas pela televisão, acionou o delegado Osvaldo Nico Gonçalves, que acompanhava a partida nos camarotes do estádio, para fazer o flagrante.

Grafite deixou o campo, após ser expulso, pouco antes do intervalo, desolado. "Fui procurá-lo para saber o que tinha acontecido", contou o advogado do São Paulo, José Carlos Ferreira Alves. "Ele estava arrasado, muito cabisbaixo, e falou: Quero levar essa história para frente porque estou me sentindo humilhado. Não agüento mais isso. Minha mulher está aqui no estádio, minha família está vendo o jogo." Além da mulher de Grafite, Grace Kelly, a mãe, dona Ilma, estava no Morumbi.

Segundo Ferreira Alves, o clube não pressionou o atacante a prestar queixa. Sabendo da vontade de Grafite, o advogado telefonou ao 34.º DP e foi orientado pelo delegado Guaracy Moreira Filho. "Eu os orientei a trazer o Grafite para prestar depoimento e a acionar os policiais que estavam no estádio para impedir que o jogador (Desábato) deixasse o Morumbi, até que fossem tomadas as providências para o flagrante", disse Guaracy.

Enquanto isso, o secretário estadual da Segurança Pública, Saulo Abreu, e o Delegado Geral da Polícia Civil, Marco Antônio Desgualdo, ambos são-paulinos, viam o jogo pela televisão. Quando a Rede Globo, durante o intervalo, repetiu diversas vezes as imagens das ofensas de Desábato, os dois conversaram por telefone e decidiram entrar em contato com o delegado Nico, ordenando o flagrante.

Nico, que foi ao estádio em missão contra a ação dos flanelinhas (cerca de 70 foram detidos), deixou o camarote em que estava e soube, da diretoria são-paulina, do interesse de Grafite em apresentar queixa.

"O Juvenal Juvêncio (diretor de futebol) e o Marcelo Portugal Gouveia (presidente) estavam procurando alguém da polícia para tomar providências", afirmou. Depois, esperou o fim do jogo e deu voz de prisão a Desábato ainda no gramado. "Se eu quisesse aparecer, parava o jogo no momento da ofensa, eu tenho poder para isso. Mas tive bom senso de esperar."

Empurra-empurra

A espera do delegado não serviu para evitar muita confusão nos vestiários do Morumbi. Sem entender exatamente o que se passava, os atletas e a comissão técnica do Quilmes desceram ao vestiário. Em meio a muito tumulto, Nico foi encontrá-los novamente e repetiu a voz de prisão. "Eles queriam tumultuar, provocar empurrões e agressões para descaracterizar o problema maior. Quase tive de algemar o jogador e o presidente do clube (Daniel Razzeto), no vestiário", disse o delegado.

Os dois protagonistas da noite, Grafite e Desábato, deixaram o estádio por uma saída alternativa e foram ao 34.º DP. Os argentinos disseram que o jogador foi atingido pela lente de uma câmera de TV e que estava com medo de ser agredido, mas ele acabou deixando o estádio escoltado e conduzido por uma viatura do Garra, junto com o delegado Nico. "Ele foi arrogante o tempo todo. Não só ele como os dirigentes do time", contou Nico.

Por volta das 0h45 de hoje, quase uma hora após o fim do jogo, a delegação do Quilmes tentou deixar o vestiário para entrar no ônibus que os levaria ao hotel. Membros da diretoria do clube forçaram a passagem entre os jornalistas e cinegrafistas e houve empurra-empurra.

Alguns torcedores, que estavam ao lado, xingaram os argentinos e tentaram agredi-los, fazendo-os retornar ao vestiário. A polícia foi então acionada, isolou a área e a delegação pôde entrar tranqüilamente no ônibus.

Na delegacia, a sessão de depoimentos ao delegado Dejar Gomes Neto se arrastou até o início da manhã. O argentino chegou acompanhado do goleiro Pontirolli. Mais tarde, às 2 horas, chegaram o presidente do clube, Razzeto, acompanhado de outro dirigente e do técnico Gustavo Julio Alfaro. Pouco depois, também entraram o cônsul da Argentina em São Paulo, Norberto Vidal, e o vice-cônsul, Mariano Vergara, em busca de um acordo que encerrasse o conflito. "As leis do Brasil são muito severas no que diz respeito ao Brasil, mas não existe justificação para que ele siga no cárcere", afirmou Vidal.

Os depoimentos também foram tumultuados, com novo bate-boca entre Nico e Razzeto, que se negava a fazer silêncio e a aceitar os termos da prisão. As oitivas encerraram-se por volta das 6 horas. Desábato ficou então, sozinho, em uma pequena sala de detenção provisória do 34.º, que não tem mais carceragem. O jogador recebeu apenas a visita do médico do clube, no final da manhã, para uma sessão de gelo na perna.

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