Lula na Índia, José Alencar e José Dirceu em Brasília. Três presidentes tem o Brasil – o primeiro eleito, mas em viagem de descobrimentos e articulações internacionais; o segundo, vice no exercício constitucional da presidência, mas cada dia com menos poder; e o terceiro com o poder de fato, descascando os abacaxis da agenda presidencial enquanto o primeiro viaja. Os três, apesar de integrarem a mesma equipe, não se entendem. E trazem o conflito para dentro de casa.
Três opiniões diferentes. Lula dissera, não faz muito, que a máquina estava enxuta e pronta para o pleno exercício do poder. Dirceu aproveita a ausência de Lula e discorda do companheiro chefe: os três mil cargos criados, a serem preenchidos sem concurso (mais os aumentos concedidos a uma plêiade de privilegiados do primeiro time), são essenciais ao funcionamento da máquina administrativa. E pergunta em tom maroto, sem esperar resposta de ninguém: “É para a administração funcionar mal? É para não fiscalizar? Não é para combater o crime, para combater a lavagem de dinheiro?”. Claro que é, não é? Mas isso não dava para fazer de outro modo? Estava tudo assim tão “sucateado”? Quem fala a verdade: o presidente Lula, ou o ministro que tomou conta do governo por dentro?
Entre o vice no exercício da presidência e o presidente viajante também há entendimento diverso sobre tema semelhante: a vinte horas de vôo distante de Brasília, Lula, em Nova Délhi, decidiu cutucar (muitos entenderam como um xingamento direto) os empresários brasileiros, ao dizer que eles precisam aprender a negociar mais, vender mais. E – aqui está o problema – a reclamar menos. Foi infeliz duplamente: “Convidamos os empresários para vir à Índia com a certeza de que vocês podem repetir, no século 21, a mesma função desbravadora que os portugueses tiveram 500 anos atrás, quando descobriram o Brasil”. Naquela época, vigia um tempo de colonialismos. O Brasil, com Lula, chegou tarde.
É claro que o empresariado não gostou. Nem mesmo os que acompanham a equipe presidencial nas Índias das antigas especiarias coloniais portuguesas.
Alguns acharam que ele foi injusto e outros, como o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Braga de Andrade, não entenderam os motivos da inesperada carraspana. Mera elegância para não devolver o xingamento presidencial. Mas, por simples coincidência ou não, a reação mais incisiva foi a do presidente constitucional do momento, José Alencar, que, por outra coincidência, é também empresário: vender mais como, se os empresários brasileiros não conseguem competir de cara limpa nem com a Índia, onde a taxa de juros é de 6% ao ano? Lembremos: no Brasil, a taxa básica (Selic) ainda está em 16,5%. Se falar nos juros reais, aqueles que embutem riscos hipotéticos, impostos astronômicos e lucros mastodônticos, nossas taxas ficam bem mais distantes que as horas de vôo que nos separam de Nova Délhi…
Goste Lula ou não de ouvir (e sempre isso acontece quando ele viaja), vale a pena repetir aqui o que disse José Alencar na transmissão de comando do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: “Enquanto as atividades produtivas não puderem remunerar com vantagem o custo de capital, não pode haver investimento compatível com as necessidades do Brasil”. Para impulsionar o crescimento, dando partida ao espetáculo prometido, é preciso que o conselho pressione o governo pela redução das taxas de juro. Opinião e pedido do presidente José Alencar. Mais: é preciso “impregnar” isso na cabeça de cada brasileiro, “especialmente desses brasileiros que estão a participar do governo” – o companheiro Lula, que gosta de ditar norma aos outros, à frente.
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