Confissão tardia

Dias atrás, o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, dissera que o governo, um pouco perdido em tudo, estava “batendo cabeça” e sem comando político no Congresso Nacional. Agora, tomando o cuidado de negar que lhe puxaram as orelhas, ele acha que as coisas já melhoraram. Mas cometeu outra confissão: a de que, no passado recente que engloba os dois governos de Fernando Henrique Cardoso, o PT foi contra as reformas, não por questões ideológicas ou porque discordasse das propostas, mas apenas porque estava disputando o poder.

Para que não pairem dúvidas, vamos transcrever ipsis literis o que o presidente da Câmara acaba de dizer: “Ficamos contra não porque estávamos disputando um ponto específico da reforma”, mas porque “estávamos disputando o poder no País”. E candidamente arrematou acrescentando que “esse era o contexto da política nacional”. Segundo João Paulo Cunha, não haveria perigo de se repetir o episódio, pois as últimas eleições “expressaram um sentimento muito grande de esperança, que continua forte, tanto no Congresso quanto no governo?. Ademais, segundo ele, além de as propostas estarem mais maduras, o número de parlamentares que querem as reformas é muito maior que o número de parlamentares que apóiam o governo.

Embora tardia, a confissão do deputado que ocupa o importante posto de presidente da Câmara precisa ser levada em conta para analisar o que significa e o que justifica. Num primeiro plano, traduz a estratégia de colocar os interesses do Brasil – e portanto, dos brasileiros – a reboque de interesses grupais. Num segundo, explica porque o caminho até aqui trilhado pelo governo que já ultrapassou os umbrais dos 100 primeiros dias se parece tanto com o anterior, a despeito da crescente oposição interna corporis.

O PT sabia, então, da importância das reformas pelas quais agora se bate – a da Previdência em primeiro plano, exatamente como dizia o então presidente FHC. Mas apenas por questão estratégica foi contra, alargando o fosso que nos separa de um sistema mais justo para milhões de cidadãos, já cansados de promessas e discursos. Frustrando a reforma, o PT deu mais valor às promessas de mudança durante a campanha, a mesma que impediu fosse realizada, abocanhou votos e agora, feliz, no poder, apega-se no que chama de “herança maldita” para justificar a falta de realizações prometidas exatamente porque não podem ser executadas sem, antes, realizar a reforma… a mesma que impediu no passado.

A reflexão deve levar os brasileiros ao amadurecimento necessário para julgar também os atos dos que fazem oposição. E merecem respeito os que são contra por questão de princípios, ou por entender que o caminho melhor é outro. Não os que se apegam à velha tática do quanto pior melhor. Afinal, a estes últimos interessa não a situação do povo em nome do qual discursa, mas unicamente a própria. E para isso, esse objetivo justifica qualquer meio empregado para alcançá-lo. A confissão de João Paulo Cunha tira o brilho da estrela e, ao mesmo tempo, nos remete à reflexão de quanto melhor estariam os brasileiros nesta quadra caso o partido ao qual ele pertence tivesse agido em benefício de um projeto nacional, não apenas grupal de tomada do poder – coisa menor e desprezível. É, de fato, uma pena que a confissão chegue em hora tão tardia!

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