Configuração processual do novo regime falimentar

A denominada "Nova Lei de Falências" Lei Federal sob n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária ainda, em vacatio legis(1), por certo, trouxe profundas transformações processuais e procedimentais acerca da atuação e intervenção das partes e demais interessados então vinculados nas categóricas relações jurídicas falimentares. Não fosse isto, observa-se também que os vetos presidenciais(2) então aplicados pontualmente a específicos dispositivos da mencionada legislação, por certo, romperam com a sistematização, quando, não, descuraram da possibilidade do oferecimento de proposições que tornassem coesos os tratamentos e também a linguagem, especialmente, em razão da previsão da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (Lei Federal sob n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973). No entanto, a configuração processual deste novo regime falimentar que cuida da recuperação extrajudicial e da recuperação judicial do empresário e da sociedade empresária em situação de dificuldade econômico-financeira diversamente, pois da situação patrimonial líquida ser negativa ou mesmo positiva, haja vista que isto, hoje, a partir da dinâmica imposta pela modernidade já não assegura qualquer garantia de que o comerciante/empresário possa efetivamente assegurar o cumprimento das suas obrigações ainda guarda memória principiológica aos denominados meios preventivos da declaração judicial de falência particularmente, em relação às espécies de concordata. Contudo, apesar da flexibilização da jurisdicionalização estatal de processos e procedimentos para a recuperação das empresas, por certo, o sistema normativo ou mesmo um dado subsistema normativo especial não pode se transformar num mero conjunto de soluções metodologicamente posto para a resolução indistinta de casos estabelecidos na vida econômico-comercial do empresário e ou da sociedade empresária, em que pese as importantes contribuições argumentativas que têm servido de referências para um discurso hermenêutico diferenciado, aberto e criativo(3).

Até porque, a insuficiência empresarial então comprovada pela sua inaptidão como agente de transformações econômicas para a viabilidade financeira de sua empresa ou sociedade empresarial consoante a advertência sempre presente de Catarina Serra(4) – impõe a exposição das empresas economicamente não viáveis ao processo de falência que as conduzam à extinção definitiva. Em virtude disso, o critério determinante para a procedimentalização ou não da recuperação empresarial é a própria empresa, isto é, não só a sua viabilidade econômico-financeira, mas, a sua suficiência empresarial, vale dizer, a sua capacidade de desenvolvimento e adaptação às mutações quase que diárias das inúmeras e variáveis realidades econômicas que permanecem em contínua mutação(5).

A mera adoção legislativa de teorias, quando, não, de imprecisas interpretações nem sempre desinteressadas, por certo demanda equivocadas aplicações legais que invariavelmente resultam na experimentação social de toda sorte de privações que reduzem à condições mínimas a possibilidade de uma existência digna o que culmina mesmo na diminuta efetividade jurídica e social das novas legislações não raras as vezes aprovadas de afogadilho. Por certo, é de se reconhecer a prioridade do processo de recuperação das empresas com dificuldades econômico-financeiras, mas, não, diversamente, a sua obrigatoriedade, em detrimento mesmo do processo falimentar, o qual, em determinadas situações, vale dizer, nas hipóteses de inviabilidade e insuficiência empresarial, constitui-se imperativamente na via processual inicial para o tratamento das questões pertinentes, haja vista que não se afigura legítima a sucessão procedimental aparente e equivocadamente admitida entre tais ritos resolutórios. O processo de recuperação das empresas com dificuldades econômico-financeiras, na verdade, constitui-se apenas numa fórmula inicial para a resolução dos conflitos de determinadas situações ocorridas, e, não, diversamente, numa panacéia geral para a resolução de todo e qualquer tipo de questão que possa ser levantada durante a existência de uma empresa ou sociedade empresária. Pois, não se pode pretender encobrir ou ressuscitar "cadáveres empresariais"(6) com providências de recuperação, uma vez que as medidas a serem adotadas devem ser concebidas para a reanimação de empresas ainda reanimáveis, ou seja, para a recuperação de empresas recuperáveis, e, não, diversamente, procedimentos judiciais e extrajudiciais homologatórios de fraudes oficiosas. Logo, torna-se mais do que compreensível a limitação da aplicabilidade inicial dos procedimentos de recuperação das empresas, quando, não, discutível a primazia e ou a prioridade de tais procedimentos sobre o da falência.

Notas:

(1) A Lei Federal sob nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 apenas entrará em vigor na data de 09 de junho de 2005, consoante o disposto no seu art. 201 Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação.

(2) Mensagem sob nº 59, de 09 de janeiro de 2005

(3) CORREIA, Eduardo et alii. Direito penal econômico e europeu: textos doutrinários. Vol. I Problemas Gerais, Coimbra: Coimbra, 1998, p. VII.

(4) SERRA, Catarina. Falências derivadas e âmbito subjetivo da falência. Boletim da Faculdade de Direito, da Universidade de Coimbra. Studia Iuridica 37, Coimbra: Coimbra, 1999, p. 26 e ss.

(5) SERRA, Catarina. Op. cit. p. 41 e ss.

(6) SERRA, Catarina. Op. cit. p. 41 e ss.

Mário Luiz Ramidoff é promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Cíveis, Falimentares e de Liquidações Extrajudiciais, do Ministério Público do Estado do Paraná; Mestre (CPGD-UFSC) e Doutorando em Direito (PPGD-UFPR); Professor das Faculdades Integradas Curitiba e da Faculdade Dom Bosco

ramidoff@pr.gov.br

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