Com o propósito de estimular troca de experiências profissionais com colegas, iniciei a série de crônicas intituladas ?confidências?. Com pedido de preservação de nome, eis um relato que por certo dividirá opiniões: ?…me identifiquei com o espaço… Tenho interesse em saber se agi corretamente…?. Certa feita fui procurado em meu escritório por familiares de uma pessoa que estava com prisão preventiva decretada, sem que tivesse sido presa ainda. Estava ela no aguardo de instruções sobre como proceder naquela situação. De posse de cópia de todo o processo e após estudo, firmei posição no sentido de que deveríamos reunir documentos provando ausência de antecedentes criminais, endereços residencial e comercial, etc., para o acusado se apresentar no dia do seu interrogatório fixado no edital, pois tinha outro réu no mesmo processo, que já estava aprisionado, e que seria interrogado também naquela data.
O caso era de acusação de assalto de um grande bingo onde a polícia concluiu que o mesmo teria sido impossível sem a colaboração de um funcionário da casa. Meu cliente era esse funcionário da vítima, supostamente colaborador desse crime. Observo aqui que com prisão preventiva decretada em processo que contém acusação do artigo 157 do Código Penal e acusado tido como foragido e cobertura da mídia, não recomendei a interposição de ?habeas corpus? preventivo pelo fato das chances de concessão serem praticamente nulas. Como meu cliente estava negando qualquer forma de participação (nem tinha prova boa neste sentido), optei por apresentá-lo ao juiz do processo e requerer na mesma instância, previamente, a revogação da prisão. Deixei-o ciente de que poderia ficar aprisionado, apesar da apresentação espontânea.
No dia do interrogatório do acusado chegamos ao fórum e fui logo protocolizando o pedido de revogação da prisão, acompanhado de todos os documentos. Fui até a sala de audiências e perguntei do interrogatório e logo o escrivão foi falando que estava tendo um atraso, por problemas de escolta do outro réu preso do mesmo processo. Nesse ínterim, entrou na sala o juiz e indaguei-lhe se poderíamos adiantar o ato, ouvindo primeiro o réu que me acompanhava. O juiz, após leitura da denúncia, o interrogou. Quando estava para terminar o interrogatório já se via da sala, no corredor, a chegada da escolta com o réu preso. Feita a impressão do interrogatório para o meu cliente assinar, este começou a fazer a leitura de forma lenta (naturalmente nervoso). O escrivão disse-lhe que enquanto era redigido, o advogado acompanhava na tela do monitor e que era para assinar que não tinha nenhum problema (olhando para mim): ?não é doutor?? Antes de responder que sim, que poderia assinar, o juiz reforçou: ?Doutor, vou lhe pedir que abrevie o tempo que a pauta está carregadíssima…? O Réu assinou e até ali nada de darem-lhe voz de prisão (ou tocarem neste indigesto assunto) e nossa indecisão era por isto e não por qualquer fato ligado a redação do interrogatório… O réu assinou e o escrivão disse-lhe em voz alta, que ecoou na sala: ?o sr. pode ir, está dispensado…? (entregando-lhe o RG). Mesmo colecionando interrogações, coloquei a mão em seu ombro e fomos embora. Afinal, meu trabalho estava feito. Dois dias depois estava despachado favoravelmente meu pedido de liberdade do réu, com argumentos até mais robustos do que aqueles que tinha eu escrito na petição… Cá entre nós, noventa por cento de chance de ter sido o réu mandado embora em seu interrogatório por engano, contra dez por cento de senso técnico ou amor ao princípio da não culpabilidade… Como você teria agido em meu lugar??
Agiu certo! Você não era obrigado a ?elucidar? nada que pudesse vir em prejuízo do cliente. Afinal, imparcialidade é para eles… Vamos aguardar a opinião dos leitores.
Elias Mattar Assad é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. eliasmattarassad@yahoo.com.br