Condenação à morte

Desde o seu início, o atual governo preocupou-se em segurar dinheiro, evitar desvios e buscar um rígido ajuste fiscal, capaz de produzir superávites capazes de permitir que se apartem grossas quantias para rolar ou pagar a dívida externa. Política em princípio correta, pois visa tornar o Brasil mais independente do capital estrangeiro. E manter a confiança do mercado internacional, de forma a que continuem abertas as torneiras dos financiamentos. Isso leva a que investidores em busca de aplicações diretas, geradoras de empregos e impostos, também confiem no Brasil. Mas, nem tudo o que reluz é ouro e nem tudo que balança cai, como dizia uma velha marchinha de Carnaval.

O entesouramento e o estabelecimento de rígidas normas de fiscalização, para que não ocorram desvios de recursos, como já ocorreram neste País, leva também a situações graves de penúria em setores onde a interrupção do fluxo de dinheiro pode causar danos irreparáveis. Até mortes. Os recursos de programas de saúde, como o SUS, utilizam-se de dinheiro que vem da União, passa pelos governos estaduais, engrossando ou não, e acaba, muitas vezes, nas prefeituras, que a ele somam ou não alguma coisa.

Na Secretaria de Saúde do Paraná, por exemplo, existe uma farmácia que atende a doentes, principalmente renais, entregando-lhes de graça medicamentos financiados pelo poder público, via SUS. Alguns desses medicamentos, caríssimos e longe do alcance da clientela que freqüenta aquela farmácia, por um longo período chegaram a faltar. A conclusão é que faltaram porque o governo federal fazia economia e estabelecia controles. Resultado: remédios que são imuno-supressores, e que não podem faltar a transplantados, faltaram. E, faltando, um dos males que podem ser esperados é a rejeição do órgão transplantado. E até a morte do doente.

Nesta semana, num grande hospital de São Paulo, onde doentes de câncer são atendidos, foi fechada a unidade que os atende, ministrando quimioterapia. O tratamento, para muitos única esperança de vida, está sendo anunciado só para o ano que vem. Para já, não há dinheiro. E os doentes têm de se conformar em morrer sem assistência ou apostar na improvável sorte de resistirem até que soltem o dinheiro do SUS e voltem as quimioterapias.

Na Secretaria de Saúde do Paraná, como medida cautelar, decidiram que os remédios da chamada “farmácia especial”, que atende aos doentes nefrológicos, sejam os que se submetem à hemodiálise, sejam os transplantados, tenham suas receitas primeiro submetidas a auditorias. O doente deve apresentar a requisição médica com cinco dias de antecedência. Aprovada, poderá ir buscar os remédios. Acontece que um grande número de pacientes é do interior e a maioria gente muito pobre. Não raro são pessoas que não têm sequer o dinheiro para as passagens de ônibus para duas viagens: a de vinda a Curitiba para pedir a auditoria na requisição médica; a volta para casa e o retorno à capital, para buscar os remédios depois de no mínimo cinco dias. E novamente a volta para o interior.

Em países adiantados, doentes nefrológicos são atendidos em casa. Agentes de saúde levam os medicamentos às moradias dos doentes, que, muitas vezes, têm severas restrições de locomoção. Voltamos a dizer que apoiamos as cautelas que o governo vem tomando com o dinheiro público. Mas, cuidado! Ele não deve ser tanto e tão rigoroso a ponto de levar os doentes assistidos à morte.

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