Conciliação e Justiça

Há algumas semanas, veiculou-se nesse Caderno Direito e Justiça, artigo dos Professores Lênio Streck e Marcelo Cattoni, com observações sobre a chuva de leis novas que assolam o Direito Processual nos últimos meses e o passo atrás implicado em algumas delas.

Chamou-me a atenção, ao final do artigo, uma observação:

?De fato, parece não haver dúvidas de que há muito tempo chove na serra… Dias desses, um jovem juiz refira-se, inteligente e bem intencionado concedia entrevista na TV Justiça, tecendo loas à efetividade dos juizados especiais e jactando-se do seu sucesso em cerca de 90% dos casos. E uma das coisas importantes por ele referidas para alcançar esse desiderato foi a de ter ?inventado? uma sala especial (sic) em que são realizados os acordos e conciliações: a sala foi pintada de verde, porque essa cor facilita as relações humanas, e a música ambiente acalma os contendores. É a cromoterapia a serviço da efetividade da justiça. Diz ele que a fórmula é um sucesso.?

Sem querer polemizar, não vejo tal iniciativa como negativa ou prejudicial, máxime na Justiça do Trabalho e nos Juizados Especiais. Talvez o problema tenha sido a forma de abordagem ou a ligação, ainda questionável do ponto de vista científico, entre os resultados da conciliação e as cores do local ou a musica ambiente…

Todavia, e aproveitando a deixa, não se pode olvidar que a conciliação é essencial para o Justiça e tudo o que possa auxiliar, mesmo que sem prova científica, mas que ao ver do juiz tenha efeito sobre o procedimento conciliatório, deve ser utilizado.

No campo do Processo do Trabalho, não é sem razão que a CLT, no artigo 764, menciona: ?Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. Parágrafo 1.º: Para efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos.

Embora a EC 45 de 08.12.2004 tenha alterado o artigo 114 da CF para retirar a palavra ?conciliar? colocando no texto a palavra ?processar?, no caput do dispositivo, tal alteração é apenas textual e não visa, evidentemente, retirar o caráter eminentemente conciliador que caracteriza o judiciário trabalhista.

A preocupação com a composição de conflitos é a essência do Direito, aliás, o precede. Muito antes da idéia de Estado e órgãos estatais para solução de conflitos, já existia a conciliação decorrente do interesse dos homens em resolver pacificamente as diferenças de interesses. No campo do trabalho subordinado, a relação de poder na própria estrutura organizacional intensifica a necessidade de regulação para manter o equilíbrio e assegurar o funcionamento adequado do sistema(1).

No conflito individual. WAGNER GIGLIO, em 1982(2), traçava um panorama das normas internacionais com relação ao conflito individual. Dizia que a OIT sempre se preocupou mais com a negociação coletiva, cuidando da conciliação individual apenas nas recomendações 92 e 130., a primeira tratando de conciliações e arbitragem voluntárias para prevenir e solucionar conflitos, de 1951, e a segunda sobre o exame de reclamações dentro da empresa, de 1967. Podemos citar ainda a recomendação 94 que propunha a criação de organismos de consulta e colaboração entre empregadores e trabalhadores, no âmbito da empresa.

Em Direito Comparado, como lembram PAMPLONA FILHO e RODRIGUES PINTO(3), todos os órgãos de heterocomposição de conflitos procedem do Conseil de Prud?Hommes, do qual captaram inspirações básicas. Prosseguem os autores: Esses homens probos (será mais expressiva a tradução menos literal que homens prudentes, para homens amadurecidos, sábios em face das questões sobre que deveriam opinar) funcionaram, inicialmente, (1426), no Conselho da Cidade de Paris como conselheiros (hoje se diria melhor assessores técnicos) do juiz municipal para a decisão dos conflitos entre fabricantes e comerciantes de produtos; depois (1464), na solução dos conflitos entre os produtores de seda de Lyon, e, em seguida, entre esses mesmos industriais e seus operários. Atualmente, em França, a conciliação ainda é realizada pelo conselho, conforme artigo L 511-1 do Código de Trabalho delegados de pessoal podem auxiliar na conciliação (artigo 422-1).

Na obra já mencionada, GIGLIO apontava a Argentina como país com avançados estudos doutrinários no campo da conciliação individual, sendo obrigatória em determinadas províncias(4). Em 1995, a Lei n.º 25573 de 1995 em seu artigo 1.º instituiu em caráter obrigatório a mediação prévia a todos os juízos, através de procedimento extrajudicial(5).

Na Espanha, a Ley de Consejos e Conciliación y Arbitrage industrial, de 1908 foi, conforme GIGLIO(6), o primeiro marco sobre a questão. Atualmente, a Lei do Procedimento Laboral de 1995 obriga a tentativa de conciliação através do Instituto de Mediação, Arbitrage y Conciliación (IMAC), criado em 1997.O artigo 63 menciona: será requisito prévio para la tramitacións del proceso el intento de conciliación ante el servicio administrativo correpondiente o ante el órgano que assuma estas funciones, que poderá contituir-se medainte los acuredos interprofesionales o los convenios colectivos…? Em Portugal, os artigo 17 do Decreto-Lei 64-A/89 de 27.02.89 impõe a comunicação pelo empregador à comissão de trabalhadores pela despedida coletiva, que iniciará a negociação(7).

Na Itália, é também obrigatória a tentativa de conciliação prévia, prevista no artigo 410 do Código de Processo Civil. Tal dispositivo foi reintroduzido pelo D. Lgs. 51/1998, e é pressuposto processual, como apontam PIERO SANDULLI e ANGELO MATTEO SOCCI(8), a constitucionalidade de tal norma foi questionada: ?Il tentativo di conciliazione è previsto quale condizione di procedibilità della domanda (art. 412-bis, c.p.c.). Per questo sorge la fondata aspettativa della dichiarazione d?incontituzionalità della norma.?.

No Brasil também foi discutida a constitucionalidade da Lei 9958/2000 que impôs a obrigatoriedade de submissão da demanda à comissão, inserindo o artigo 625-D da CLT. A par da discussão sobre tratar-se de condição da ação ou pressuposto processual objetivo, a jurisprudência inclinou-se pela adequação do artigo, até porque valoriza a conciliação, eis que não obsta o acesso ao Judiciário, uma vez frustrada a tentativa de conciliação. No campo do direito individual, todavia, entendo que presentes as partes em juízo, e não alegado o pressuposto de ausência de tentativa de conciliação no primeiro momento, tal pode ser substituído pelas tentativas conciliatórias em juízo. Caso contrário, possível que se extingua o feito para encaminhamento das partes à comissão, todavia, cominando pena de litigância de má-fé à empresa que alegar tal pressuposto e posteriormente, na comissão, recusar-se a fazer proposta razoável visando conciliação.

Nos Estados Unidos todo o sistema é baseado na tentativa de conciliação pois os sindicatos são o centro do poder político e econômico nas relações de emprego. A reclamação de qualquer empregado deve ser feita por escrito ao representante do sindicato e essa passa por uma série de instâncias desde o delegado sindical na empresa até um comitê de representantes da empresa e do sindicato, para apenas então, caso não resolvida, sujeitar-se à arbitragem.(9)

Não se olvida que para o trabalhador o adágio ?melhor um acordo ruim do que uma boa demanda? nem sempre representa uma solução justa. Premido pela necessidade de receber o crédito, tem contra si o elemento tempo, seja no momento da rescisão, pois, se discutir, arrisca nada receber, seja durante a demanda, na medida em que os juros do crédito trabalhista são infelizmente muito menores do que os auferidos no mercado financeiro e, assim, tem aí o empregador um incentivo para protelar o feito.

A conciliação, todavia, é da essência do homem, e o homem trabalhador muitas vezes não vê vantagens no desgaste da demanda. A tais fatores, todavia, deve o julgador estar atento, sem todavia, descurar-se da realidade daquele que precisa da verba alimentar.

Importante frisar, assim, que o projeto de criação do Fundo de Execuções Trabalhistas e a nova lei de Cumprimento da Sentença podem alterar tal panorama, o que mostra que nem todas as alterações recentes ou propostas implicam em retrocesso, ao revés, a nova lei de Cumprimento (11.232/05) traz alteração importante ao acrescer em 10% o débito não quitado e simplificar o (agora extinto) processo de execução no sentido da efetividade da decisão.

De qualquer forma, utilizando-se o bom senso e havendo razoabilidade, deve ser privilegiada a conciliação ao prosseguimento da demanda.

Cremos, assim, que, em que pese a ?chuva? de alterações legislativas, a conciliação é e continuará sendo a melhor alternativa para a pacificação dos conflitos sociais, objetivo maior do direito. Assim, se existirem realmente indícios de que as cores da sala de audiência ou a música influenciam para tanto, chamemos os bons pintores, bons músicos, e mãos à obra….

Notas

(1)     Mecanismo estudado por MELO, Marlene Catarina de Oliveira Lopes. Estratégias dos empregados no quotidiano das relações de trabalho: a construção de processos de auto-regulação. Em Recursos Humanos e Subjetividade, Petrópolis: Vozes, 4.ª ed. 2002.

(2)     GIGLIO, WAGNER D. A Conciliação nos dissídios individuais do trabalho. São Paulo: LTr, 1982. p. 13/14.

(3)     RODRIGUES PINTO, José Augusto e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Conciliação Preventiva e do Procedimento Sumaríssimo Trabalhista. São Paulo: LTr, 2001. p. 41

(4)     Op Cit p. 14

(5)     A informação, bem como um estudo sobre o direito comparado e as comissões de conciliação, está no artigo sobre comissões de conciliação prévia, do Dr. VICENTE JOSÉ MALHEIROS DA FONSECA, disponível em www.juristantum.adv.br acesso em 08.05.2004. (6)     Op Cit p. 16

(7)     ?Artigo 18 Nos quinze dias posteriores à data da comunicação prevista nos n.º 1 ou 5 do artigo anterior tem lugar uma fase de informações e negociação entre a entidade empregadora e a estrutura representativa dos trabalhadores com vista à obtenção de um acordo sobre a dimensão e efeitos das medidas a aplicar…?

(8)     Il Processo Del Lavoro dopo la riforma del processo ivile e la privatizzazione dele pubblico impiego. Giuffré Editore, Milano, 2000, p. 162.

(9)     REES, ALBERT. La Influencia Econômica de Los Sindicatos Em Estados Unidos. MTSS: Madrid, 1987.

Luciano Augusto de Toledo Coelho é juiz do Trabalho, bacharel em Psicologia, mestrando em Direito na PUCPR, professor da Escola de Magistratura do Trabalho do Paraná/EMATRA.

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