Ninguém pode deter a marcha de um mundo de estranhas belezas e terrores infindáveis. É exatamente nesta frase que penso ao analisar o cenário que se desenha no futuro e que carrega dúvidas shakespeareanas. Bush torna-se uma espécie de Macbeth nesta era do mal estar pós-moderno, quase tão paranóico quanto este lendário personagem de Shakespeare. Macbeth matava a todos que imaginava serem seus inimigos ou que desconfiasse estarem tramando contra ele. Ataque preventivo, devaneios imperialistas, não seria a mesma coisa?
Sua inocência religiosa é perigosa justamente pelo primitivismo de direita conservadora, contaminada por uma leitura seca da Bíblia. Bush está tomado pela febre de querer corrigir os pecados do mundo segundo a sua doutrina, por meio do chicote militar, a impor a todos os países a visão limitada e catastrófica da verdade americana. Nunca, em nenhum outro tempo, a lógica bélica funcionou. As vozes do mundo, em protesto legítimo, nada representam para seus respectivos governantes. A adrenalina do combate, amplamente coberta pela mídia, substitui o bom senso, um gordo e delicioso banquete de crocodilos.
A cada míssil disparado, meu coração se despedaça.
Embora creia que Saddam é o modelo grotesco da tirania e deve sofrer na pele os anos de opressão e ignorância a que submeteu os iraquianos e curdos, choro pelas mortes desnecessárias, choro pelas tempestades elétricas de crescentes desentendimentos entre as nações. Este acontecimento, por mais inacreditável que seja, é a maldita chave deste milênio. Caso a discórdia permaneça, o caminho para o arco-íris será feito de mãos envelhecidas e com sangue, ao invés de tijolos dourados.
Simples, triste e devastador. O caixote de ferro da humanidade.
E, hoje, com os olhos amargos, vi uma imagem que ficará para sempre em minha mente, tirando-me a paz, levando as sombras ao meu pensamento. Um iraquiano encapuzado, segurando com amor e conforto seu filho, a tentar protegê-lo das mazelas do mundo, contra um invasor brutalmente mais forte, humilhado e triste, rezando que Alá possa libertá-lo destas dores terrenas. E você aí, passivo em sua cadeirinha na frente da televisão aguardando o maldito Jornal Nacional, já pensou que o povo sofre, não por estar acostumado a guerra, mas pelo sentimento de ter que sobreviver. Uma mulher ferida, agarrada aos dois filhos destroçados pelas armas americanas, dentro de um veículo metralhado pelos EUA, matando sete ocupantes, sendo cinco crianças com menos de cinco anos. Pense nisto quando for comprar produtos americanos, quando for ver seu filme de ação, onde você bate palminhas para cada terrorista morto e nem se dá ao trabalho de saber qual a história real. A cultura americana invadiu suas veias e eu só posso lamentar e arrastar-me para dentro da dor perpétua de acompanhar as misérias de um mundo imperfeito.
A liberdade e coragem verdadeira está em não matar o próximo, independentemente de qual for seu credo, religião, raça ou estágio social. Fácil é ser covarde em tempos de guerra e apoiar o mais forte na prática do extermínio malicioso e hipócrita, amplamente difundido pela mídia anglo-americana e retransmitido pelos países medrosos da Europa e América Latina (ladrina?). Finalmente está provado o quanto somos dependentes culturalmente dos norte-americanos, pois nem nossos jornalistas conseguem ser isentos da contaminação medíocre da visão americana unilateral. Em sua maioria são todos covardes, sem opinião, que desejam beijar as nádegas do vazio.
Eu não…eu não! Um dia irei libertar-me das dores do mundo.
A submissão da ONU, a divisão na União Européia, a crescente insatisfação da Rússia e China, a mídia sensacionalista e por vezes patriótica em excesso. Eis uma combinação química de fatores altamente tóxicos, como se fossem as tintas do medo em uma tela sombria de Velasquez. O garoto do Texas malcriado e expansionista ,e seus mascotinhos, fazem de suas vidas a busca pela inocente pregação de princípios religioso de extrema direita. E todos nós devemos nos ajoelhar para saudar o novo rei, o homem que está causando um choque nuclear no futuro. Deus, não consigo mais dormir, vítima da insônia perpétua, preso neste teatro das contemplações. Quem será o próximo? A Amazônia por suas riquezas naturais? Qualquer herege que se oponha à bíblia anglo-americana?
Eu comprei minha bandeirinha (suja) americana, e você?
Rodrigo D?Almeida Bertozzi é escritor e autor dos livros “Depois da Tempestade”, “O Despertar” e “O Senhor do Castelo”. Todos editados pela Ed.Juruá.