Cristóvão carregava Cristo, Cristo carregava o mundo. Quem pois carregava Cristóvão? perguntam os lógicos. “O nome do Pai”, responderia eu.

THIS, Bernard(2)

A comparação dos procedimentos atitudinais dos personagens sociais perpassam pela ficção – ilusão – e a realidade, num imbricamento do real com o imaginário. Por isso, nem sempre é possível considerar o método de abordagem psicodiagnóstica, utilizando-se tão-somente critérios de cientificidade, pois, às vezes, e, isto não é raro, deve-se valer da intuição para o entendimento – talvez, não necessariamente resolutivo – do fenômeno que se observa/analisa. E isto, muito bem pode se dar através de um processo de descoberta e desvelamento de um enigma – segundo Latife Yazigi(3). Adverte-se que o pensador, no entanto, não pode ser um mero montador/desmontador de “quebra-cabeças”. Contudo, com Michael Shepherd(4), também, é louvável a recorrência à noção de compreensão imaginativa para fundamentar o valor da “empatia, da simpatia intuitiva como formas de conhecimento.” As verdades mitológicas e as verdades científicas continuam em disputar entre si a categoria privilegiada de supremacia, contudo, diga-se, uma e outra culminam por se confundirem. O mito, assim, nada mais é do que uma estratégia de entendimento e compreensão que tem servido com função especulativa-explanatória que representa uma arriscada resposta imaginativa aos problemas reais; inclusive, relacionando-se mais proximamente, com isto, ao pensamento um pouco mais vigoroso, talvez, científico. A ciência também não seria um mito? No mínimo, uma nova religião? Contudo, ressalte-se que um conhecimento para ser ciência não pode ter dogmas! E, assim, o mito funcional e procedimentalmente operacionaliza-se como fonte de criatividade na busca de respostas. Mas, as respostas seriam sempre objetos últimos a serem alcançados, principalmente, numa abordagem psicodiagnóstica? Talvez a beleza/importância na vida é a mudança qualitativa que se pode realizar através primeiro da própria conscientização do entorno em que se possa encontrar inserido, e, sobremodo, de suas circunstâncias, contingências e ideologias.

Porém, uma mudança de qualidade de vida pressupõe a sua melhora que, no fundo, não se encontraria apenas nos desvelamentos das verdadeiras causas de todo e qualquer tipo de sofrimento, quando, não, a consciência de que o são. Dignidade e respeito, também, devem limitar-se apenas à construção de condições de possibilidades de qualquer eleição das opções existentes! Pois, como adverte Latife Yazigi(5), soluções a problemas científicos – ou não necessariamente – freqüentemente requerem metáforas que podem não ser passíveis de conceituação. Daí a fuga cientificista de enquadramento categorial – mecanismos paliativos de desencargo – padronizando estratégias, em metodologias e métodos consignáveis, mas, nem sempre imaginativos, elencando, pois, a psicanálise num ou noutro esquema teórico-científico, dando-lhe natureza epistemológica ou fenomenológica, mas, contudo, impingindo-lhe qualificação sempre como que ciência fosse – inclusive, como pontua a autora: status de ciência. Fantasia, imaginação e criação há muito deixaram de ser sonhos e agora na totalização do desejo passaram a ser propriedades e produtos de consumo categorizáveis – vide Disney – e não mais mementos imaginativos e lúdicos, enquanto marcas e lembranças. O recurso mitológico de cunho científico, desloca-se, assim, para apreender, e, possibilitar que se aprenda. É preciso, pois, aprender para apreender, ainda, que, discursivamente, pese a imanente característica dominativa presente em todo discurso que se preze como tal – inclusive, este!

Latife Yazigi(6) esclarece que “é este encontro que propicia uma participação autêntica, um compartilhar mútuo, um `ser transportado’ do qual nasce a inspiração, a criação, a idéia, o insight. Para tal, tanto o psicanalista quanto o analisando necessitam estar despojados, disponíveis e passíveis de vivenciar a fruição do momento e alcançar a criação.” Entretanto, nem sempre de um processo de inter-relacionamento nasce o conhecimento, pois, o momento do encontro, também, é ou pode ser do desencontro, inclusive, teórico. Mas, tem que se reconhecer que só a partir dele é possível tal “salto epistemológico”. Com efeito, a tarefa que se impõe a todo aquele que lida com comportamentos humanos, é precisamente esta, ou seja, não cooptar, apreender para não dominar, não capturar, pois, assim, seja qual for a estratégia psicodiagnóstica que sirva para libertar. É aqui que, neste pequeno texto, entra Berê(7), pois, nesta tarefa de autocontrole na intervenção psicodiagnóstica ela é ótima!

NOTAS

(1) Amigo da Berê.

(2) THIS, Bernard. O pai: ato de nascimento. Porto Alegre (RS): Artes Médicas, 1987, p. 161 e 162.

(3) YAZIGI, Latife. Prefácio. in SHEPHERD, Michael. Sherlock Holmes e o caso do Dr. Freud. São Paulo (SP): Casa do Psicólogo, 1987, p. 07-08.

(4) SHEPHERD, Michael. Op. Cit.

(5) YAZIGI, Latife. Op. Cit.

(6) YAZIGI, Latife. Op. Cit.

(7) Berenice Morozowski é psicóloga junto aos Juízos de Direito das Varas de Família, da Comarca de Curitiba (PR). Segundo Berê: “É exatamente isto o que você quer dizer: a possibilidade de ir ao encontro e tornar-se observador/analisador sem confundir-se/fundir-se com o outro. Apreender para aprender, e deixar ir.” Pois, “no discurso jurídico apreender é realmente muito `feio’, mas se entender no discurso pensamento/aprendizado vira experiência, não?!”.

Mário Luiz Ramidoff é autor, professor, mestre em Direito e promotor de Justiça.

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