Os atores e espectadores do cenário jurídico nacional tiveram uma semana cheia de acontecimentos. Tal multiplicidade de fatos exige que a coluna não se detenha em apenas um, mas sim que faça referência aos principais. Vejamos.
No domingo (7/8), a sinalizar por uma semana incomum, o jornal Estado de São Paulo noticiava que 140 dos 282 procuradores da Prefeitura de São Paulo receberam em junho vencimentos acima do teto constitucional de R$ R$ 26.723,13. Este é o limite máximo no Brasil e corresponde aos subsídios de um ministro do STF. Uma procuradora teria recebido cerca de R$ 76 mil. A justificativa seria direito adquirido, tese esta que não foi aceita para dezenas de categorias com vencimentos acima do teto. No dia 9, o mesmo jornal revelava que os procuradores teriam que devolver o recebido a mais (C5). Acusação e solução em dois dias. Tudo muito simples. O que não ficou bem claro é quem vai responder administrativa (improbidade), civil e penalmente pelos pagamentos irregulares. Quem foi o ordenador da despesa, quem assinou a folha de pagamento? Ainda, se foi instaurada alguma investigação policial ou no MP.
No dia 8, o DJU noticiou a aposentadoria da ministra Ellen Gracie Northfleet, primeira mulher na Corte Suprema. Discreta, elegante, preocupada com a administração da Corte, Ellen Northfleet dignificou o Tribunal. Nos seus 11 anos como ministra não deu margem a comentários depreciativos sobre sua pessoa e o Poder Judiciário. Ao contrário, procurou dar ao Supremo maior efetividade prática como, por exemplo, criando a figura de um juiz de instrução para as ações penais originárias, cujo desfecho, sabidamente, costuma dar-se pela prescrição.
No dia 9, o site ConJur noticiou a prisão de 38 pessoas na Operação Voucher, comandada pela Polícia Federal, entre elas o secretário-executivo do Ministério do Turismo, Frederico Silva da Costa. As acusações são graves, formação de quadrilha, peculato e fraude em licitação. Os detidos em Brasília e São Paulo foram levados para Macapá de avião, algemados. A repercussão deu-se mais no campo político do que no jurídico, com reflexos na presidência da República, Ministério da Justiça, DPF e no PMDB. Críticas à ação policial, uso de algemas e vazamento de fotos. Sob a ótica singela, quiçá ingênua, do Direito, não se vislumbra o motivo da repercussão. Diariamente, milhares de brasileiros pobres, que não tiveram oportunidade de alçar-se a importantes cargos da administração, são presos por fatos socialmente menos nocivos.
No dia 10, a revista Veja lança a reportagem “O juiz e sua meretriz” (p. 92/93), atribuindo ao ministro da Suprema Corte da Argentina, Eugenio Raúl Zaffaroni, a grave acusação de ter prostíbulos em seis apartamentos. Zaffaroni, conhecido no Brasil e no mundo como um grande criminalista, deixou a administração de seus bens nas mãos de Ricardo Montivero e este teria feito as locações.
A análise de tais fatos deve ser feita com vistas à especificidade da política argentina. Zaffaroni foi indicado para a Corte em 2003, pelo presidente Néstor Kirchner. Isto acaba envolvendo-o na luta política que divide o país vizinho entre os contra e a favor da presidente Cristina Kirchner, que é candidata à reeleição. Afora tal fato, não há que se estranhar que um homem que além do imenso trabalho da Suprema Corte ainda escreve e dá conferências ao redor do mundo, desconheça detalhes da administração de seus bens. No entanto, uma coisa é certa. A alta posição que ocupa impunha-lhe cautela triplicada. Seu conhecimento acadêmico talvez não tenha vindo acompanhado do conhecimento da vida. Quanto mais alto o cargo, maior a exposição pública e, consequentemente, as limitações na vida privada.
Também no dia 10, a Folha de São Paulo noticiou “Advogados patrocinam golfe de juízes” (A9). A notícia revela um torneio no qual a seccional da OAB, o Guarujá Golfe Club e a Apamagis (associação dos juízes paulistas) seriam os promotores do evento. O formato do torneio não é de fácil compreensão. Os gastos ficariam por conta de cotas de patrocínio divididas entre alguns escritórios de advocacia e empresas privadas, cujo interesse seria de estreitar relações (escritórios) ou expor seus produtos (empresas). Para Paulo Dimas Mascaretti, presidente da Apamagis, nada há de errado e, inclusive, R$ 30 mil seriam destinados a uma creche.
É ingênuo supor que algum tipo de corrupção adviria de tal tipo de encontro. Não é em uma tarde festiva, com dezenas de pessoas, que alguém seduzirá um magistrado, dele obtendo decisão favorável em um processo. Mas para o cidadão comum, fora da área do Direito e já descrente das instituições públicas, a notícia será vista desta forma. Aí está a questão principal. O mundo mudou, a sociedade tudo acompanha e cobra. É como se houvesse gerações e a atual não admite o que a passada considerava normal. É preciso ter inteligência e sensibilidade para perceber estas mudanças e a elas adaptar-se. Vale a pena ver o filme “Dirty Dancing”, com Patrick Swayze, que revela um momento de mudança da juventude no verão de 1963.
No dia 12, a triste notícia do assassinato da juíza de Direito Patrícia Acioli, de São Gonçalo (RJ) morta com 21 tiros a mando do crime organizado. Ousou a magistrada sair da cômoda posição de mera expectadora do andamento dos processos criminais. Deu-lhes efetividade, decretou a prisão de membros das milícias, traficantes de drogas e de quadrilhas organizadas. Pagou com a vida.
Em meio a tão complexa semana, que chega a ter um pai, Genuir Luís Bortoloso, acusado de matar a filha para receber o seguro no valor de R$ 200 mil e não pagar-lhe mais pensão, na cidade de Gaurama (RS), só mesmo encerrando com um caso pitoresco.
O jornal Estado de S. Paulo do dia 13/8 (C6) noticia que na cidade de Severínia (SP) com pouco mais de 16 mil habitantes, o desempregado Milton Cesar de Jesus foi acusado de ter furtado a bolsa de Silvina Julieta Ferreira, com R$ 2.100,00. Ocorre que Jesus deixou os documentos e outros bens sem valor em uma casa abandonada. A vítima, desconfiada, foi ao local e lá encontrou os restos e uma dentadura. Alertou a Polícia que, ao fazer o teste na boca do desdentado suspeito, constatou que a dentadura encaixava-se com perfeição. E o prendeu imediatamente.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.