As iniqüidades em saúde no Brasil decorrem de diversos fatores, determinantes ou condições políticas, econômicas, sociais, culturais, ambientais, etc., além de biológicas, mas, sobretudo, da extrema desigualdade, injustiça e ignorância reinantes no País.
Dados do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) revelam, em relatório de 2005, que o Brasil é a 13.ª economia do mundo e o 8.º país com a pior distribuição de renda.
A desigualdade racial acrescenta a estes índices econômicos outros levantados pelo IBGE em 2005, que revelam que ?embora negros e pardos constituam quase a metade (48%) da população brasileira, apenas um de cada seis brasileiros pertencentes à elite é negro. Os negros são dois terços (66,6%) dos 10% mais pobres e 15,8% dos 1% mais ricos do País?. (Domingues, Bruno Camarinha e Gaspar, Júlia. Um panorama das nossas desigualdades. Radis-comunicação em saúde, n.º 45, maio de 2006, p.15.)
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (RS), liderado pelo epidemiologista Cesar Victora, realizou diagnósticos das adversidades enfrentadas pelos pobres no processo de enfermidade e morte, constatando que adoecem com maior freqüência, têm menos resistência e estão expostos a vários fatores de riscos, que vão desde a falta de saneamento básico à aquisição de vícios, como tabagismo, alcoolismo, drogas ilícitas, etc., extremamente prejudiciais à saúde. Célia Landmann Szwarcwald acrescenta que somam-se a estes riscos a falta de acesso a intervenções preventivas, como vacinação, tratamento pré-natal, neonatal, detecção precoce do câncer de mama, de próstata, etc., elevando o número de cidadãos brasileiros que morrem em idade útil à família e à sociedade.
A mortalidade infantil, a baixa escolaridade, a violência urbana e rural respondem, também, por um significativo número de doenças e óbitos.
Diante deste quadro alarmante, o Poder Público, as organizações da sociedade civil brasileira e instituições internacionais (como a Organização Mundial de Saúde – OMS) se uniram no sentido de fomentar o debate sobre a saúde no Brasil, visando intervenções eficazes e ações políticas relativas aos seus principais determinantes sociais, com ênfase nas populações de baixa renda (Art. 3.º, I e II do Decreto Presidencial de 13.03.2006).
Os antecedentes do precitado Decreto Presidencial estão em iniciativa da OMS, quando criou uma Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (CDSS – OMS), em março de 2005, com atuação até 2008, com a finalidade de coordenar e promover o movimento internacional dos DSS, pela implantação nos diversos países da comunidade internacional de Comissões de Determinantes Sociais da Saúde.
No Brasil foi lançada em 15 de março de 2006 a CNDSS (Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde), constituída por 17 integrantes representativos dos mais diversos setores da sociedade brasileira, a saber: Adib Jatene (cardiologista); Aloísio Teixeira (reitor da UFRJ); Ana Lúcia Gazzola (professora da UFMG); Cesar Victora (epidemiologista); Dalmo Dallari (jurista); Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira (empresário); Elza Berquó (demógrafa); Jaguar (cartunista); Jairnilson Paim (médico); Lucélia Santos (atriz); Moacyr Scliar (médico e escritor); Roberto Esmeraldi (ambientalista); Rubem César Fernandez (antropólogo); Sandra de Sá (cantora); Sonia Fleury (cientista política); Zilda Arns Neumann (sanitarista) e Paulo Buss (presidente da Fiocruz).
A CNDSS terá dois anos para elaborar um Relatório que aponte novos rumos para a saúde pública no Brasil, contando com um orçamento inicial de R$ 1 milhão e a colaboração de vários ministérios e secretarias especiais da Presidência da República e do Conselho Nacional de Saúde.
Ao diagnosticar as iniqüidades sociais para a saúde, estudo recente da OMS apontou diversas doenças crônicas ou epidêmicas motivadas pela violência, pobreza, falta de saneamento básico, preconceito racial, tais como: distúrbio depressivo unipolar, morbidade de crianças negras, anemia falciforme, pobreza, doenças infecto-contagiosas, etc.
Aguarda-se que a nova CNDSS – Brasil contribua, no menor tempo possível, para a construção da igualdade em matéria de saúde pública no País.
Maria da Glória Colucci é mestre em Direito Público. Professora da Faculdade de Direito da UFPR e Faculdade de Direito de Curitiba. Orientadora do Projeto de Pesquisa em Biodireito e Bioética das FIC. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética SBB.