Comércio de soja está paralisado há semanas e preocupa setor

A comercialização de soja está paralisada há semanas, o que gera preocupação no setor. De acordo com a consultoria Céleres, 77% das 51 milhões de toneladas colhidas no último verão foram vendidas até o momento, o que gera um volume ainda não comercializado em torno de 11,5 milhões de toneladas. Toda esta soja estaria ainda em mãos de produtores ou cooperativas. Na mesma data do ano passado, 87% da safra tinha sido vendida, e a média de cinco anos para o período é de 95%, segundo os consultores da Céleres. A consultoria estima que Paraná e Rio Grande do Sul ainda mantenham 6 milhões de toneladas de soja não comercializada.

As indústrias tinham em estoque 5,7 milhões de toneladas do grão até 31 de agosto, conforme estatística divulgada na semana passada pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). O volume armazenado não deve ter sofrido redução importante, considerando sucessivos anúncios de suspensão de operações em plantas industriais em todo o País, desde meados de agosto, além da baixa demanda para exportação.

O processamento tem sido suspenso por duas razões. De um lado, a retração do produtor em vender sua mercadoria deixa a indústria desabastecida de matéria-prima. De outro, as indústrias operam com margens negativas, não conseguem cobrir o custo da matéria-prima na venda dos produtos finais (óleo e farelo).

“Cada caso é um caso, mas ao que parece algumas indústrias estão constatando que o custo de paralisação das plantas é inferior ao prejuízo que acarretaria manter as unidades em funcionamento”, diz o vice-presidente da Abiove, César Borges de Souza. “O grau de compromissos de cada companhia também determina a paralisação das plantas. Se uma empresa tem produção suficiente para cumprir seus contratos, pode parar as máquinas enquanto as margens estiverem negativas”, acrescentou.

Pressão de oferta – A paralisação da comercialização torna o mercado disponível vazio, e poderá refletir também sobre a venda da safra nova, que começa a ser plantada em Mato Grosso. Se o mercado físico continuar travado, a nova temporada (2004/05) vai começar com elevado estoque.

O produtor terá problemas em administrar o volume carregado da safra velha, e ao mesmo tempo escoar a soja nova em colheita.

O quadro piora quando se constata que a comercialização antecipada da safra 2004/05 também está paralisada. Segundo a Céleres, 9% da produção esperada no próximo verão tinha sido vendidos até sexta-feira (24), contra 39% na mesma data do ano passado e 26 % na média de cinco anos para o período. Além do financiamento de parte do plantio, a comercialização antecipada tem por virtude absorver em caráter imediato parte da safra em colheita, capitalizando o produtor e aliviando a pressão da entrada da safra.

As vendas antecipadas não deslancham porque o produtor evita vender a safra nova neste período de preços mais baixos e alta volatilidade no mercado de futuros da Bolsa de Chicago, antes da definição da safra norte-americana. Alguns poucos negócios foram vistos isoladamente, mas de modo geral o volume já comprometido para o ano que vem foi negociado com preços a fixar.

Ao mesmo tempo as indústrias e tradings adotam atitude de cautela quanto à safra nova. Alguns produtores recorreram ao Código Civil este ano para não entregar soja aos compradores pelos preços acertados em contratos de venda antecipada no ano passado. Isto porque os preços do mercado físico no momento da execução do contrato era superior ao negociado antecipadamente. “É uma situação de grande desconforto para a indústria, pois o contrato é rompido unilateralmente com proteção judiciária”, diz Borges de Souza.

Processos – Algumas tradings têm processos em trâmite no Superior Tribunal de Justiça contra produtores que não entregaram a mercadoria comprada antecipadamente. A Caramumu Alimentos, de propriedade da família de César Borges de Souza, tem seis ações no STJ. “Nosso Departamento Jurídico calcula que um parecer do tribunal pode demorar ainda um ano, e até que haja uma uniformização do tratamento do tema pela Justiça a comercialização antecipada deve permanecer muito difícil”, diz o executivo.

Os produtores que recorreram à Justiça para não entregar a soja vendida antecipadamente valeram-se de artigo do Código Civil que prevê rompimento de contrato quando há evidente desequilíbrio em favor de uma das partes. A indústria contesta a ação dos produtores e afirma que há mecanismos de proteção contra as oscilações de mercado, e que a própria dinâmica do mercado de soja gera oscilações diárias de preço muitas vezes bastante grande. “Se o comprador protege suas operações com hedge na bolsa de futuro s e hedge cambial, ele contorna os riscos de mercado. O produtor deveria fazer o mesmo”, diz Borges de Souza.

O fato é que a partir de março de 2005 o mercado de soja terá de lidar com o estoque carregado de 2004, e com uma grande safra em colheita, estimada entre 61 e 66 milhões de toneladas. O cenário favorece a indústria e o exportador. A pressão da oferta na entrada da nova safra deverá favorecer o comprador, não o vendedor. Caso ocorra quebra importante da safra nova (por clima desfavorável ou doenças) e o Brasil não produza acima de 60 milhões de toneladas, o preço vai subir e pode outra vez estimular o produtor a romper contratos eventualmente assinados hoje.

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