Começo pelo fim

Tem razão o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quando diz que os debates sobre a inevitável reforma da Previdência Social brasileira foram iniciados pelo fim. Em qualquer situação normal, discutem-se primeiro as regras gerais, que indicam o rumo onde se quer chegar. A última coisa a discutir seriam as exceções, se é que elas devam existir. Mas, como se viu a partir da reação dos militares e dos magistrados (estes comandados pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, em pessoa), alguns setores querem primeiro a garantia de que continuarão com os atuais privilégios para, então, decidir se apóiam ou não a distribuição das migalhas para os outros. Seria mudar para deixar como está.

Esse “começo pelo fim”, aliás, repete o filme já visto no início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Além de argumentos idênticos aos que são apresentados agora, a tese da diferença que consagra privilégios insuportáveis para o Tesouro contou com a ajuda dos partidos de oposição – à frente deles o PT – que hoje estão no governo. Resta saber se, no reverso da medalha, haverá a “vontade política” sempre alegada e a reforma crie jeito. Ou estaremos todos falidos.

Para Alckmin, que também amarga um rombo anual de sete bilhões de reais causado pelas aposentadorias estaduais (o rombo em Brasília é pelo menos dez vezes maior), “não se deve discutir, neste momento, quem está dentro do sistema ou quem está fora”. Isso precisa ser deixado para os finalmente. A discussão adequada é “qual deve ser o melhor modelo”, se continuar com os dois sistemas que existem, ou fundir tudo num só, aplainando direitos ao sabor da Constituição. Na pretendida união dos setores público e privado existem muitas outras coisas a serem consideradas antes das exceções.

Talvez o modelo italiano, definido em 1995 depois de longos debates, possa servir de exemplo. Na velha bota foi unificado o tratamento dos aposentados do setor público e do privado, tal como se pretende aqui. Poucas diferenças restaram, com destaque para uma categoria que, aqui no Brasil, não elevou a voz até agora – a dos policiais e bombeiros, ainda assim especialmente no que se refere à idade prevista para se aposentar. Direitos adquiridos foram salvaguardados com um longo e intrincado sistema de transição, envolvendo todos os trabalhadores. O cálculo da aposentadoria não é mais feito com base no salário recebido nos últimos anos de trabalho, mas tem a ver com as contribuições depositadas em todo o período, corrigidas de acordo com o crescimento econômico do país. Entre trinta e quarenta por cento do valor das aposentadorias fica por conta dos fundos de pensão e da previdência privada.

Quando o presidente do STF diz que a nossa Previdência só pode mudar com revolução, ele desconhece exemplos como esse, de outros países que também enfrentam dificuldades – afinal, o envelhecimento da humanidade é decorrente da cada vez mais longeva expectativa de vida, graças principalmente aos avanços da medicina -, e assume um tom desafiador, semelhante ao daqueles que oferecem o próprio cadáver como a resistência derradeira para as mudanças. Não foi, com certeza, o melhor, nem o mais sensato exemplo. É preciso virar essa página e começar tudo de novo. Se iniciarmos a discussão pelo começo, as chances de chegar ao fim serão maiores.

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