Em 26 de setembro de 2004, comprei um exemplar de O Estado do Paraná para ler o momento inaugural de uma página sobre educação. Nela encontrei o artigo ?Modo de saudar, modos de civilizar?, minha primeira colaboração para o projeto educador de Célia Cúnico, que compreende o uso do jornal como suporte para divulgar idéias e notícias sobre educação Célia me conhecia de outras andanças, de outras falas e de poucos escritos. Convidou-me para escrever um pequeno texto para a edição de abertura desta página sobre educação. Quem já teve algum texto publicado em jornal, saberá da emoção e do orgulho que experimentou ao ver seu nome impresso. Foi assim comigo também.
Cá entre nós, esta página semanal é um grande feito da Célia. Muito se diz e escreve sobre educação em áreas especializadas, mas tratar desse assunto com regularidade e em um jornal comercial, dirigido a um público sabidamente diversificado, é um grande feito! É preciso, primeiramente, acreditar. No projeto, na função social da leitura, na possibilidade de preencher uma lacuna. Célia acreditou, e eu com ela. Em segundo lugar, era necessário contar com um grupo de colaboradores. Serviço sem fim. Escrever, escrever e escrever. Em terceiro lugar, e não menos importante, o projeto precisava conter ingredientes de coerência nas idéias, de persistência do trabalho, de permanência e manutenção de leitores, de confiança neles, e de muita convicção no sucesso da empreitada. Quem acompanhou esta página semanalmente sabe como todas essas razões se apresentaram e compuseram ao longo do tempo.
De minha parte, redescobri o prazer e o encanto da escrita, observei meus defeitos docentes, abri mais ainda os olhos para a realidade, agora em função de outros objetivos. Serei sempre grata à Célia Cúnico por isso.
E assuntos não faltaram. As leituras e os escritos foram se sucedendo em ritmo frenético. Mas, acredito, a linha de pensamento e a força da convicção foram sempre as mesmas. A leitura é fator insubstituível de conquista da cidadania, de conhecimento do mundo e do próprio leitor, e do processo de produção e recepção de textos. Confiando nessa idéia-matriz, mantive nesses dois anos colaboração quase ininterrupta (alguns poucos números do jornal não tiveram texto meu tratando de leitura e educação).
Acompanhei a mudança de nome (de ?Educação em pauta? para ?O Estado educa?). Vi a página migrar de dia da semana (de domingo para quinta-feira, e de volta ao domingo), cultivei leitores anônimos e conhecidos, expandi para outras atividades as idéias professadas nos textos, experimentei novas linguagens e gêneros textuais, recebi elogios e críticas, armazenei quantidade incalculável de alegria e, perdoem-me a sinceridade, de amor próprio. Parte dessa experiência está registrada nos textos que compõem meu livro O mapa do mundo: crônicas sobre leitura, a ser lançado durante o Saberes, o já tradicional congresso anual de Leitura de Múltiplas Linguagens de Curitiba.
A medida cientifica da passagem do tempo em anos só ganha importância porque ritualizamos e simbolizamos de alguma maneira essa passagem. É o que faço neste momento ao relembrar o percurso. Acima de tudo, porém, o que fica, além dos jornais organizados em pastas e devidamente catalogados, são as marcas dentro de mim. Das horas de leitura e de escrita, do prazer imenso de expressar em palavras o pensamento, das brincadeiras verbais, do encanto dos textos inventados, da satisfação de poder contribuir para a alegria, o conhecimento e a atuação profissional dos leitores, dessas vivências é que nasce o sentido mais profundo desses dois anos de trabalho.
Lembro de leitores reais comentando o que escrevi (a delicadeza do elogio, a citação da frase que mais marcou no texto), esqueço/lembro de justificativas de não-leitura (não leio jornal, o texto é longo demais, não me interesso por leitura). Armazeno, elaboro e logo, logo escrevo, colocando no computador, para se transformar em papel jornal mais adiante, essas experiências e falas que me formam e transformam a cada semana.
Nas corredeiras da vida, entre pedras, galhos e margens, debruçam-se algumas árvores. Delas, pendem folhas e, às vezes, flores. Sinto que, ultrapassando pedras, colhi muitas flores nesses dois anos. Com elas componho um ramalhete e o endereço aos leitores, à Célia, ao Maurízio, acompanhado deste longo cartão de aniversário.
Se for lida, esta página confirma seu objetivo maior: a leitura marca, traz alegrias e permite a socialização do pensamento e da memória. São razões fortes para comemorar.